Entrevista a Beatriz Teixeira

Beatriz Teixeira
Licenciada e Mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade de Coimbra, com especialização em Informática Clínica e Bioinformática
Hoje temos connosco a Beatriz Teixeira, uma engenheira biomédica formada pela Universidade de Coimbra, cujo percurso internacional já a levou a estudar e a trabalhar na Bélgica, Dinamarca, nos Países Baixos e, atualmente, no Reino Unido, onde integra a equipa da Brainomix, espero estar a dizer bem, como investigadora em algoritmos.
[Entrevistadora] – Marta Amandi (ANEEB)
[Entrevistador] – Mariana Meneses (ANEEB)
[Mariana Meneses]: Olá e sejam bem-vindos a mais um episódio de Biomédicos pelo Mundo. Eu sou a Mariana Meneses, diretora do departamento de Ensino e Ação Social da ANEEB, e estou aqui com a minha colega de departamento Marta Amandi.
[Marta Amandi]: Hoje temos connosco a Beatriz Teixeira, uma engenheira biomédica formada pela Universidade de Coimbra, cujo percurso internacional já a levou a estudar e a trabalhar na Bélgica, Dinamarca, nos Países Baixos e, atualmente, no Reino Unido, onde integra a equipa da Brainomix, espero estar a dizer bem, como investigadora em algoritmos. Bem-vinda, Beatriz, e obrigada por te juntares a nós neste episódio!
[Beatriz Teixeira]: Obrigada pelo convite.
[Mariana Meneses]: Então, para começarmos, aqui a primeira pergunta. Durante o teu percurso académico e profissional, passaste por vários países, entre eles a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos e, agora, o Reino Unido. O que te motivou a sair de Portugal e a procurar estas experiências internacionais?
[Beatriz Teixeira]: Eu acho que era não saber o que é que eu queria e o que é que, realmente, eu podia fazer com a engenharia biomédica. Eu entrei em engenharia biomédica um bocadinho de pára-quedas e não tinha a mínima noção das diferentes áreas e das diferentes saídas profissionais. Na altura, olhando para o futuro, eu não conseguia imaginar o que é que queria fazer depois do curso ou se queria sequer continuar neste ramo e também nunca fui muito boa a fazer planos. Acho que sou muito melhor a adaptar-me rapidamente a diferentes situações e contextos. Então, a única coisa que eu sabia era que queria explorar as diferentes áreas e encontrar aquela, como falei, em que me encaixaria melhor. Então, na verdade, eu não procurei sair de Portugal. Esse não era um requisito, mas todas estas oportunidades foram surgindo, assim, de uma forma muito natural e, de certa forma, complementaram a minha visão sobre aquilo onde eu queria trabalhar e o que é que eu queria fazer.
[Mariana Meneses]: Obrigada.
[Marta Amandi]: Ok, agora a próxima pergunta. Tendo em conta que estiveste inserida em contextos tão diversos, qual é que foi a experiência que te marcou mais e porquê? E se houve algum desafio de adaptação, quer este seja cultural ou académico, que não estivesses à espera?
[Beatriz Teixeira]: Eu acho que não consigo escolher uma porque todas elas foram muito diferentes e todas elas me marcaram de uma forma diferente. É óbvio que, é óbvio que a Bélgica foi logo a primeira e foi, e é aquela que vai ter sempre um lugar muito especial para mim porque foi a minha primeira vez a viver fora de Portugal. Ainda estava a estudar, depois amei a cidade, amei a universidade. Estava também a viver esta experiência com uma das minhas melhores amigas, portanto isso também foi um bónus bastante grande. E depois foram meses bastante intensos em que eu acho que nós nos reinventámos e tentámos viver a vida académica ao máximo, tentámos explorar a grande parte da Europa Central, fazer as cadeiras todas também. Acho que o desafio académico foi mesmo a parte da exigência. Acho que era uma exigência que nós não estávamos habituadas em Coimbra. Não é que o sistema de ensino fosse completamente diferente, mas aquilo que era exigido acho que era muito mais e os métodos de avaliação também eram um pouco diferentes. Por exemplo, eu lembro-me de que nós tínhamos exames orais, que era uma coisa que em Coimbra nunca tínhamos tido. Em termos culturais, acho que esta foi, na verdade, a adaptação mais fácil, apesar de ter sido a primeira, acho que foi a mais fácil. A comida belga não é nada por aí além, as pessoas também são muito mais fechadas e “straight to the point” quando comparado com Portugal, mas fora isso, eu gostava muito do facto de toda a gente se movimentar de bicicleta, ia para todo lado de bicicleta. Gostava também de estar muito bem conectada com outras partes da Europa, tanto de comboio como de estar a 15 minutos do aeroporto, por exemplo. Ter imensos espaços verdes também era um grande ponto positivo. A nossa residência era no meio de uma floresta, por exemplo, um bocadinho fora da cidade. Então, acho que a Bélgica, nisso, terá sempre um lugar muito especial. A Dinamarca, foi, acho que o desafio foi mais a parte da meteorologia e as horas de luz solar também, não eram muitas ou nenhumas, mas eu também estive durante o inverno e também no auge da pandemia, portanto, não tive acho que a experiência social que a cidade tem para oferecer. Depois foi a Holanda. A Holanda, em termos culturais, achei muito parecida com a Bélgica, mas também esta também foi uma experiência completamente diferente, no sentido em que foi a primeira vez que fui sozinha, em que me aventurei sozinha a sair de Portugal. Também foi a primeira vez que estava num ambiente de indústria, numa multinacional, portanto, acho que foi obviamente bastante marcante para mim, como eu fui para a Holanda fazer um estágio de seis meses durante a minha tese de mestrado. Acho que a parte mais desafiante também foi conciliar a parte académica com a parte da indústria, porque acho que a indústria e a academia também se movem, assim, a velocidades diferentes e esta foi também a minha primeira experiência real, entre aspas, em investigação, e, para mim, foi difícil gerir as minhas expectativas, o que queria fazer e ver resultados, e gerir todos os imprevistos. Acho que esse foi o maior desafio. E agora, pronto, a Inglaterra, que eu acho que para mim o maior desafio foi a adaptação, aqui é literalmente tudo ao contrário. O lado da estrada, as tomadas elétricas, a comida, o lado social. E, pronto, também foi a primeira vez que eu saí de Portugal sem um bilhete de regresso. Das outras vezes eu sabia sempre que ia voltar. Agora também sei que vou voltar, só não sei é quando é. Mas, óbvio que tudo isto conta, mas primeiro estranha-se e depois entranha-se. E agora é bom chamar o Oxford casa.
[Mariana Meneses]: Obrigada. Uma das tuas experiências foi no programa de empreendedorismo em saúde na Business School de Copenhaga. Achas que esta experiência te fez olhar para a engenharia biomédica de uma forma mais inovadora, mais aliada à gestão?
[Beatriz Teixeira]: Eu acho que sim, acho que me permitiu ver outra faceta da indústria e entender o verdadeiro significado e o processo de inovação em “healthcare”. Também me fez perceber que “Business and Management” não é de todo uma área que eu gostaria de trabalhar, o que foi um ponto positivo. Mas, no fundo, trouxe-me uma perspetiva de que o R&D é só uma pequena parte de todo o processo, até levar um produto até ao mercado, e que, o porquê de nem todas as ideias chegarem ao mercado. Também me trouxe uma perspetiva diferente sobre o papel dos diferentes stakeholders nesta indústria e também sobre a necessidade de todos eles estarem sintonizados para que no final de toda esta cadeia de fases de desenvolvimento e de burocracias, que o mais importante não seja esquecido, que é entregar valor aos pacientes e contribuir para melhorar a vida de alguém. Portanto, acho que nesse sentido foi bastante positivo, sim.
[Mariana Meneses]: Obrigada.
[Marta Amandi]: Obrigada. Também vimos que fizeste voluntariado na ReFood, onde lideraste equipas e criaste soluções digitais. Que impacto teve esse trabalho no teu crescimento pessoal e no teu perfil profissional?
[Beatriz Teixeira]: Bem, na ReFood eu comecei, comecei no terreno, entre aspas. Comecei por fazer rotas e depois fui um bocadinho mais para a parte digital quando saí pela primeira vez de Portugal, para ir para a Bélgica, porque não queria deixar de contribuir e de dar uma ajuda naquilo que conseguia e é assim que se tem mantido até hoje, basicamente. Tentei sempre ajudar dando ideias e tentando automatizar alguns processos. Eu acho que sou uma pessoa muito prática e quando vejo um problema eu gosto do desafio de arranjar uma solução. E gosto muito de usar a programação para automatizar tarefas, principalmente aquelas mais secantes, em que depois eu possa ganhar tempo para fazer aquilo que realmente gosto. Então, acho que essa foi a parte boa e acho que foi o poder trazer as minhas skills mais técnicas para um outro contexto e também moldar o meu raciocínio para resolver problemas diferentes daqueles a que estou habituada no meu dia a dia.
[Mariana Meneses]: Muito bem, obrigada. O teu percurso, como já percebemos, ele é bastante versátil e é entre modulação computacional, sinais biomédicos, imagem médica e empreendedorismo. Sempre tiveste esta vontade de explorar diferentes áreas da engenharia biomédica ou essa diversidade surgiu naturalmente ao longo do tempo?
[Beatriz Teixeira]: Como eu disse no início, eu não sabia o que queria, então fui descobrir. E a imagem médica, que é a área onde eu atualmente estou a trabalhar, foi, na verdade, a última que eu explorei e começou como só mais um teste. Eu vinha só experimentar. Isto porque durante os cinco anos de curso eu estive mais ligada, sempre muito mais ligada à parte do processamento de sinal. Todas as cadeiras que eu fiz foram mais nessa vertente e por mais desafiante que tenha sido, depois de acabar a tese de mestrado, a única certeza que eu tinha tido, e depois de ter tido a experiência, o estágio na Phillips, a única certeza que eu tinha tido, que eu queria, que eu sabia era que queria era continuar a investigação. Mas também não me sentia preparada para começar um doutoramento naquela altura e achava que não era bem esse o caminho que eu queria seguir, então, e sempre achei que imagem pudesse ser mais entusiasmante e interessante do que sinal, então comecei a procurar oportunidade nessa área. Mas, sim, basicamente diria que tudo surgiu muito naturalmente e fui matando a curiosidade até descobrir onde é que me queria especializar mais. E foi assim que fui passando um bocadinho pelas diferentes áreas.
[Mariana Meneses]: Obrigada.
[Marta Amandi]: Ao longo do teu percurso, estiveste inserida tanto em contextos de investigação como na indústria. Notas-te grandes diferenças entre estes dois ambientes? O que retiraste de cada um?
[Beatriz Teixeira]: Na verdade, eu nunca tive a verdadeira experiência em contexto acadêmico. Durante a minha tese, fiz toda essa parte na empresa onde estagiei mas, tal como eu já disse, a indústria e a academia movem-se a velocidades muito diferentes porque a regulação e as expectativas nos dois ambientes é muito diferente. Por exemplo, eu acho que uma das grandes diferenças de fazer investigação em contexto acadêmico é o tipo de tarefas que se tem. Na academia parece que cada pessoa ou grupo de investigação tem que ser uma empresa, no sentido em que eles têm de certa forma de fazer a investigação, o “marketing” do projeto e tratar do financiamento. Na indústria, está distribuído por diferentes departamentos e acho que, de certa forma, te dá uma liberdade de focar naquilo que realmente interessa. Mas depois, há também o outro lado da moeda. Na indústria, acho que o peso do dinheiro é muito maior e, de certa forma, tenta-se sempre minimizar os riscos de todos os projetos e tenta-se controlar ao máximo os outcomes de cada projeto. Há também sempre o peso da competição, do mercado, da inovação, que em em outcome muda muito rapidamente e drasticamente. Então, essa liberdade acaba sempre por ser condicionada e todos os passos acabam por ser mais estudados, avaliados muito mais cuidadosamente, eu acho. Para além de tudo isso, toda a parte de regulamentação, licenças e regras de uso de dados e proteção de dados, na indústria é muito maior. Acho que aí é que está a grande discrepância entre os dois ambientes.
[Mariana Meneses]: Obrigada. Atualmente estás na Brainomix, uma empresa de referência na área da imagem médica, especialmente na deteção do AVC. Podes partilhar connosco como é o teu dia a dia lá e os projetos em que estás envolvida?
[Beatriz Teixeira]: Basicamente, a Brainomix é uma spin out da universidade de Oxford e é uma empresa na área de investigação de inteligência artificial com aplicações em imagem médica. Neste momento, temos produtos para assistir no diagnóstico de AVCs e também de fibrose pulmonar. Eu estou na equipa de R&D mais ligada à parte da investigação dos AVCs e, basicamente, o meu trabalho como algoritmo researcher engloba um pouco de todas as etapas do desenvolvimento de um algoritmo. Eu faço muita analogia a puzzle. E é muito isso, cada produto é um puzzle composto por várias peças que nós tentamos ao máximo simplificar e encaixar da forma mais simples possível os diferentes algoritmos. Grande parte do meu dia envolve programar, um pouco de data management também, procurar formas de automatizar algumas tarefas manuais. Depende também, obviamente, da fase em que estamos no desenvolvimento do algoritmo. Vai desde a seleção e a preparação dos dados, todos os processos e decisões associadas como processos de featuring engineering ou feature selection, training and fine-tuning de modelos, depois claro a parte de validação de testes e a análise de resultados. Portanto, acho que vai variando um pouco o que estou a fazer de mês para mês quase.
[Marta Amandi]: Obrigada. Tendo em conta que tens um conhecimento sólido na área da inteligência artificial aplicada à saúde, como imaginas o futuro da IA no contexto clínico?
[Beatriz Teixeira]: Eu acho que é muito difícil de prever e de saber como é que as coisas vão evoluir. Acho que ainda há muita coisa para investigar e que podemos tirar proveito da inteligência artificial. Mas acho que é bastante difícil de saber em que sentido é que vai evoluir e como é que essa transição vai ser feita. Mas, é bom ver o impacto positivo que tem tido, principalmente na parte de healthcare, acho que o importante é sempre fazer a diferença e melhorar a qualidade de vida de qualquer paciente. Acho que é muito por aí, é esperar para ver e tentar contribuir para que continue num bom sentido.
[Marta Amandi]: Obrigada.
[Mariana Meneses]: Para encerrar, se tivesses a oportunidade de voltar atrás e dar um conselho à Beatriz que estava a iniciar a licenciatura, o que lhe dirias hoje com tudo o que aprendeste?
[Beatriz Teixeira]: Eu acho que daria dois conselhos. O primeiro seria ter começado a explorar mais cedo. Eu acho que só comecei a me aventurar quando comecei o mestrado e sinto que poderia ter tirado mais proveito durante a licenciatura. Na altura eu achava que era, sei lá, demasiado cedo ou que não tinha conhecimentos suficientes para ir, por exemplo, para um estágio. Óbvio que esses três anos foram importantes para ganhar bases, mas acho que, nesse sentido, teria começado mais cedo. Segundo, acho que me tinha preparado melhor para a entrada no mundo do trabalho. Acho que esse foi o meu maior choque quando acabei o curso e não estava nada preparada para tudo o que implicava. Não tinha sequer noção de todos os fatores, requisitos, de todo o stress. Portanto, eu acho que eram esses se eu pudesse voltar uns anos atrás, era isso que eu diria.
[Marta Amandi]: Beatriz, muito obrigada por teres partilhado connosco o teu percurso incrível. Gostei muito de te ouvir e acredito que os nossos ouvintes também!
[Mariana Meneses]: O teu percurso é realmente muito inspirador. Muito obrigada novamente e desejo-te muita sorte para o teu futuro brilhante.
[Beatriz Teixeira]: Obrigada