Entrevista a Ana Marta Dias

Ana Marta Dias
Licenciada e Mestre em Bioengenharia pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Atualmente, está a realizar o Doutoramento em Neurociências na Université Catholique de Louvain, na Bélgica.
É com grande satisfação que recebemos Ana Marta Dias, Licenciada e Mestre em Bioengenharia pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, para uma conversa especial. Ao longo do seu percurso, teve a oportunidade de fazer Erasmus na KU Leuven, na Bélgica, e participou em diversos projetos de investigação, incluindo colaborações com o CINTESIS e o INESC TEC. Atualmente, está a realizar o seu Doutoramento em Neurociências na Université Catholique de Louvain (UCLouvain), na Bélgica, onde continua a aprofundar a sua investigação na área das neurociências.
[Entrevistadora] – Margarida Besteiro
[Entrevistadora] – Mariana Meneses
[Mariana Meneses]: Olá e sejam bem-vindos a mais um episódio de Biomédicos pelo Mundo. Eu sou a Mariana Meneses, diretora do departamento de Ensino e Ação Social da ANEEB, e estou aqui com a minha colega de departamento Margarida Besteiro.
[Margarida Besteiro]: Hoje temos o prazer de conversar com Marta, licenciada e mestre em Bioengenharia pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Ao longo do seu percurso académico, Marta realizou um semestre de Erasmus na Bélgica e participou em diversos projetos na área da biomédica, incluindo investigações no CINTESIS e no INESC TEC. Atualmente, está a fazer o seu doutoramento na Bélgica, na área da neuroengenharia e neuromodulação para o tratamento da epilepsia. Bem-vinda, Marta, e muito obrigada por teres aceitado o nosso convite.
[Ana Marta Dias]: Obrigada eu.
[Mariana Meneses]: Vamos começar então. Durante a tua licenciatura, tiveste a oportunidade de estagiar no CINTESIS. O que aprendeste durante essa experiência e como ela influenciou o teu percurso na engenharia biomédica?
[Ana Marta Dias]: Olha, eu na altura, como acho que acontece com muitos estudantes que escolhem Bioengenharia, não sabia muito bem o que é que gostava mesmo. Estava a interessar-me por processamento de sinal e achei que era uma boa oportunidade. Contactei vários professores, consegui esse estágio e trabalhei com ECGs de ratos para detetar arritmias. Acho que foi uma boa introdução ao processamento de sinal, eu gostei, mas já sabia que tinha um certo interesse pelas neurociências. Foi giro para começar a aprender algumas técnicas que são muito usadas.
[Margarida Besteiro]: Durante o mestrado, tiveste a oportunidade de realizar um semestre de Erasmus na Bélgica. Como foi essa experiência internacional e como contribuiu para o teu crescimento pessoal e académico?
[Ana Marta Dias]: Eu adorei o Erasmus e é muito diferente do que estou a fazer agora aqui. Foi muito importante a nível profissional, aprendi imenso no laboratório onde estive, o Movement Control and Neuroplasticity da KU Leuven, e gostei mesmo muito. Aprendi basicamente tudo relacionado com EEG. Apesar de ter trabalhado com pacientes de AVC, que não é a doença que estou a estudar agora, aprendi imenso. Leuven é uma cidade super internacional, metade dos habitantes são estudantes e muitos deles também internacionais. É ótimo para conhecer pessoas, sentes que estás em Coimbra, mas aqui na Bélgica. Foi uma experiência muito gira enquanto estudante. E, a nível profissional, também aprendi imenso e conheci imensas pessoas com quem ainda hoje mantenho contacto. Recomendo imenso. A KU Leuven é uma universidade muito reputada, cuja qualidade conseguia qualificar também.
[Mariana Meneses]: Obrigada, sabemos que realizaste a tua tese de mestrado no INESC TEC e que depois continuaste lá como Research Fellow. Podes partilhar mais sobre esse projeto e de que forma essa experiência contribuiu para definir os teus interesses na engenharia biomédica?
[Ana Marta Dias]: Depois do meu Erasmus, que foi no 5.º ano, 2.º ano de mestrado, no 1.º semestre, voltei para Portugal, para o Porto, para o INESC TEC, para fazer a minha tese no grupo BRAIN com o Professor João Paulo Cunha. Também foi uma boa experiência. Eu, sinceramente, sabia que gostava de neurociência, mas na altura era um bocado do género: “não sei exatamente o que gosto dentro da neurociência”. No Erasmus estudei o efeito da reabilitação em doentes de AVC, ou seja, não tinha nada a ver com neuromodulação. Também foi interessante, mas depois entrei no mundo da neuromodulação um bocado às cegas, sinceramente. Foi um tema que pensei: “ok, interessa-me, vamos tentar. Se não gostar, é só uma tese e depois mudo, não tem problema.” E comecei a perceber que era todo um mundo gigante, com muita coisa que em Portugal ainda não é muito abordada. Estamos a começar e a seguir numa boa direção, mas ainda há muito por explorar. É mesmo um mundo que comecei a achar muito interessante e com imenso potencial, não só para doenças neurológicas. Acho que tem potencial para muitas outras doenças, de que nem temos noção, como gástricas, urinárias, tudo mesmo. Aí começou a crescer o bichinho, e a epilepsia também, em si, é uma doença muito complexa. Fui-me interessando cada vez mais, até chegar ao tópico em que estou agora. Isso foi excelente e gostei muito do tema. O que eu fiz foi, basicamente, comparar a conectividade entre doentes com epilepsia frontal e temporal, dois tipos diferentes de epilepsia, e perceber se conseguimos encontrar padrões distintos através da conectividade. Porque muitas vezes classifica-se tudo como epilepsia, mas, na verdade, dentro da epilepsia há várias doenças diferentes. Foi um pouco por aí. E é isso.
[Margarida Besteiro]: Obrigada, depois de 1 ano no INESC TEC, regressaste à Bélgica, desta vez para o teu doutoramento. O que te motivou a voltar? E como foi essa transição, tanto a nível académico como pessoal? Sentiste algum choque cultural ou enfrentaste desafios ao adaptar-te ao ambiente de investigação por lá?
[Ana Marta Dias]: Basicamente, terminei o mestrado, confirmei o bichinho que tinha e pensei: “Acho que faz sentido para mim fazer um doutoramento”. Estava a gostar da área e queria aprender mais. Essa foi a principal razão para avançar com o doutoramento, quero continuar a aprender, e gostava de ter essa experiência fora. Não é que Portugal não tenha qualidade suficiente, discordo completamente. Mas queria mesmo ter a experiência internacional e pensei: “Ok, sou nova, se é para ter essa experiência, tem de ser agora.” Enquanto procurava oportunidades lá fora, tive a sorte de conseguir continuar a fazer investigação, sem parar, no INESC, e por isso dei continuidade à investigação enquanto procurava doutoramentos. Fez todo o sentido, e acabou por surgir esta oportunidade de voltar para a Bélgica. Neste momento, estou em Bruxelas, na Université Catholique de Louvain, e trabalho em colaboração com o Hospital de Saint-Luc, que é um grande hospital aqui em Bruxelas. A nível de investigação, toda a gente me acolheu muito bem. Diria que o estilo é semelhante ao que encontrei em Leuven. A principal diferença é a língua, aqui fala-se maioritariamente francês, porque é uma universidade francófona. Em Bruxelas há universidades francófonas e neerlandófonas, mas a minha é francófona. Mesmo assim, fui muito bem recebida. As coisas são super organizadas. No meu grupo há médicos, engenheiros, neurocientistas… o que é muito interessante. Claro que às vezes há entraves na comunicação entre áreas, mas é igualmente enriquecedor juntar perspectivas tão diferentes. Trabalhamos muito em conjunto e estou a gostar bastante dessa dinâmica. Foi um desafio porque, apesar de não ter mudado totalmente de tópico, um doutoramento é sempre algo muito “niche”, muito específico. Acabei por mudar de foco, e isso implica sempre mergulhar na literatura, adaptar-se. Mas mesmo aí, deram-me todas as condições para que a transição fosse o mais suave possível. Quanto à cidade de Bruxelas, é muito diferente de Leuven. Fica a apenas 20 minutos de distância, mas a experiência é completamente distinta. A língua muda, claro, e há imensa gente, imensa coisa a acontecer, cultural, socialmente, muitos sítios para sair, conhecer, muitos parques. Acho que, a nível de adaptação, basta estares aberta a conhecer pessoas e fazer coisas diferentes, porque opções não faltam mesmo. Leuven é muito mais estudantil, também gosto muito, mas são experiências bem diferentes. E é isso!
[Mariana Meneses]: Obrigada, planeias ficar pela Bélgica depois de acabares o doutoramento, ou gostarias de voltar a Portugal? Como é que vês o futuro da investigação em neurociências no nosso país?
[Ana Marta Dias]: Pois, isso é sempre uma questão para 1 milhão de euros, mas, é assim, ainda falta muito para eu acabar o doutoramento, uns 3 anos, portanto eu não quero dizer que quero voltar, não sei. Mas vamos ver as oportunidades que surgem. Eu gostava de ter uma experiência na indústria, talvez quando acabar o doutoramento, até porque quando acabei o mestrado andava a ver tudo e a pesquisar para ter noção e eu vi que as posições que me interessavam, quase todas exigiam doutoramento, e eu pensei “ok, mais uma razão”. Eu gostava talvez de ir nessa direção, sempre relacionado com a biomédica e com a neurociência. Depois de ter esta formação, acho que faz todo o sentido, mas não sei. Se surgir uma oportunidade em Portugal, ou se calhar até quero dar aulas e continuar na via académica. Mas, para já, na minha ideia, gostava de me focar na indústria e penso que em Portugal não há tantas oportunidades nesse sentido, para já. Mas não sei como vai ser daqui a 3 anos, se calhar até tenho sorte e arranjo, vamos ver. Neurociência em Portugal neste momento, eu vou falar do que sei, porque neurociência é um mundo gigante, nomeadamente na parte molecular, e eu não estou nada a par, sinceramente. O que eu sinto, pelo menos na parte mais de engenharia e estimulação, é que, por exemplo, tu não vês um instituto de neurociência em Portugal, vês um instituto de biomédica que tem algumas coisas em neurociência. E eu acho que é por aí que falta. Por exemplo, aqui o meu instituto é Institute of Neuroscience e tem imensas coisas a acontecer a todos os níveis. Eu acho que começa por aí, se a investigação é muito pequena, depois o salto para a indústria e para a aplicação torna-se mais difícil em Portugal. E eu acho que é isso que falta: considerar mesmo a neurociência uma área em si, e não uma subárea.
[Margarida Besteiro]: Olhando para o teu percurso, achas que as tuas experiências internacionais na Bélgica te ajudaram a desenvolver competências que agora aplicas no dia a dia?
[Ana Marta Dias]: Claro. A maioria das bases de neurociência, de EG, processamento, eu aprendi tudo na Bélgica, em Erasmus e depois na tese. Mas respondendo no lado pessoal, acho que sim. Eu cresci imenso, conheci imensas pessoas, melhorei imenso o meu inglês, aprendi ainda mais a respeitar outras culturas, abrir mentes, vamos dizer assim. Vou dizer que sim, se calhar não te sei dizer a aplicação direta, mas tenho a certeza que algures está lá.
[Mariana Meneses]: Para além da engenharia, tens um curso profissional de dança. Achas que essa formação artística influencia a tua criatividade na resolução de problemas científicos?
[Ana Marta Dias]: Sim. Mas até te diria, se calhar, mais a nível de organização e de gestão de tempo. No ensino articulado de dança, que consiste do 5.º ao 9.º ano da escola, teres uma formação artística complementar é como se fosse uma disciplina da escola, as notas também contam, apesar de ser numa instituição diferente. Eu basicamente já não tinha tempo livre, estava sempre em espetáculos, aulas, exames, tudo. E também é exigente. Não é dizer do género “já vais ser bailarina”, mas já tens essa preparação. Então as aulas já são dadas com essa intenção, e é uma exigência, um compromisso que, quando tens 12 anos, é difícil. Também há competição entre as pessoas, dramas e essas coisas todas. Tens de crescer muito rápido, no fundo, e é fácil de te cansares, apesar de saberes que gostas de dançar ou de fazer música, também existe o articulado de música. Acho que, nesse sentido de organização, lidar com problemas, lidar com frustração, foi muito, muito importante para a pessoa que eu sou hoje. A nível de criatividade também. Eu continuo a fazer dança agora e tenho sempre esse lado. Se eu tiver só em ciência, sinto-me muito fechada. Preciso de ter algo para criar e estar à vontade. Mas essa parte também é gira na investigação, podes sempre propor ideias e fazer coisas diferentes, enquanto que na indústria é um bocado mais limiar, pelo menos quando estás numa posição de júnior.
[Margarida Besteiro]: Estamos quase a terminar esta entrevista, mas gostávamos de saber: o que dirias a quem está a pensar em seguir um caminho internacional, seja em Erasmus, estágios ou mesmo no mercado de trabalho?
[Ana Marta Dias]: Olha, vão. O que eu digo sempre, até a mim mesma: mais vale eu arrepender-me de uma coisa que fiz do que de uma coisa que não fiz. Então, vão. Têm sempre a opção de desistir e de voltar. No máximo, perdem 6 meses, 1 ano da vida, em que provavelmente vão aprender outras coisas, como lidar com o falhanço, etc. Por isso, a solução é sempre ir. Depois, podem sempre voltar.
[Mariana Meneses]: Muito obrigada, Ana, pela tua partilha. Foi um prazer ouvir sobre o teu percurso e tenho a certeza de que muitos dos nossos ouvintes ficaram inspirados pelas tuas experiências.
[Ana Marta Dias]: Obrigada e, qualquer coisa, não hesitem em contactar,
[Margarida Besteiro]: Agradeço também pela tua disponibilidade. Desejamos-te o maior sucesso para o futuro!
[Ana Marta Dias]: Muito obrigada e igualmente.