Entrevista a Ana Rita Carvalho
Ana Rita Carvalho
Mestre em Eng. Biomédica pela Universidade do Minho com Especialização em Eng. Clínica. Trabalha como Manufacturing Specialist na Lonza AG em Visp, Suíça
A ANEEB teve o prazer de entrevistar Ana Rita Carvalho! A Ana Rita fez Erasmus em Leuven, Bélgica, mais especificamente na KU Leuven. Atualmente, trabalha como Manufacturing Specialist na Lonza AG em Visp, Suíça, onde contribui para a produção de vacinas no projeto Moderna!
[Entrevistadora] – Mafalda Aguiar (ANEEB)
[Entrevistadora] – Inês Brites (ANEEB)
[Entrevistadora]: Olá a todos, sejam bem-vindos! Eu sou a Mafalda e sou colaboradora do Departamento de Ensino e Ação Social da ANEEB e estou acompanhada pela Inês, que é colaboradora do Departamento de Formação e Saídas Profissionais. Hoje temos conosco a Engenheira Ana Rita Carvalho, que tirou Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica pela Universidade do Minho com Especialização em Engenharia Clínica. No seu 5°ano de mestrado teve a oportunidade de fazer Erasmus em Leuven, Bélgica, mais especificamente na KU Leuven, durante o qual pôde investigar o efeito de probióticos na saúde oral. Atualmente, trabalha como Manufacturing Specialist na Lonza AG em Visp, Suíça, onde contribui para a produção de vacinas no projeto Moderna.
[Entrevistadora]: Ana desde já muito obrigada por teres aceitado o nosso convite. Começaria por te perguntar, ainda muito antes de embarcares nas aventuras que foram mencionadas, o que te levou a ingressar em Engenharia Biomédica.
[Entrevistada]: Eu é que agradeço por me terem convidado, é sempre um prazer partilhar a minha experiência e ajudar quem quer que precise de alguma motivação ou que tenha questões relacionadas. O que me motivou a escolher Engenharia Biomédica, foi eu sempre soube que queria fazer alguma coisa na área da saúde, principalmente na área da indústria farmacêutica, sempre tive aquele bichinho da química e da investigação laboratorial e realmente engenharia biomédica é tão multidisciplinar e tão abrangente que realmente para uma rapariga de 18 anos que ainda não tem a certeza do que vai ser o futuro, dá um bocadinho de suporte saber que posso aprender uma série de coisas e que se mudar de opinião vou ter sempre uma série de saídas profissionais, que estão relacionadas que aquilo que gosto e pelos quais que posso ingressar.
[Entrevistadora]: Acho que todos nos conseguimos rever um bocadinho nessa resposta. Agora relativamente ao teu Erasmus, foi um bocadinho fora do convencional porque teve uma componente de investigação muito forte. Como é que decidiste que este era o estágio certo para ti? Teve algum papel a substituir a tese?
[Entrevistada]: A parte muito interessante deste estágio, lá está porque normalmente Erasmus é feito com aulas e assim, neste caso eu fiz a investigação para a tese portanto serviu um bocadinho como estágio e como investigação laboratorial para escrever a tese e isto foi realmente o que me fez escolher. Porque é ter uma experiência completamente diferente, num sítio completamente diferente, numa universidade de prestígio e fora de Portugal também dá oportunidade de aprender formas de trabalho diferentes e perceber como é que funciona a investigação e os laboratórios fora de Portugal. E claro continua a ser possível ter a experiência Erasmus, talvez não a 100% porque eu fiz durante a pandemia, portanto com algumas restrições mas foi mesmo muito interessante e acho que o Erasmus de outra forma para mim é melhor do que ir apenas para ter aulas, porque no final tens uma tese que foi feita em parceria com duas universidades, com dois orientadores de prestígio em vez de só um e com prestígio internacional também.
[Entrevistadora]: Relativamente ao processo de Erasmus, sentiste alguma dificuldade ao nível burocrático? Logo no início do mesmo, foi fácil entrar em contacto com a universidade de acolhimento com vista a realizares lá o estágio?
[Entrevistada]: Sim, aqui tenho imenso a agradecer à minha orientadora e coordenadora de Erasmus em Portugal, a professora Mariana Henriques da Universidade do Minho, do Departamento de Engenharia Biológica que foi de facto 5 estrelas como orientadora e como coordenadora de Eramus. Elaborou de forma muito fácil o protocolo com a universidade. Ela já tinha uma relação de muitos anos com a KU Leuven e com quem se tornou o meu orientador mais tarde, o professor xxxxxx e dessa forma foi mesmo muito fácil. Há sempre aquelas questões burocráticas que são os serviços académicos que têm de tratar e que às vezes demoram um bocadinho mais e que são sempre mais difíceis de resolver, mas com o apoio dela foi tudo bastante tranquilo. Pelo menos não tenho nada que me tenha marcado de forma negativa nesse sentido.
[Entrevistadora]: E após aterrares neste novo país, que dificuldades sentiste, tanto ao nível cultural como até mesmo profissional? Já estavas familiarizada com o holandês?
[Entrevistada]: (risos) Não falo, nunca falei, e honestamente não sei se algum dia vou ter oportunidade de começar a falar, mas também tive muita sorte porque o laboratório era bastante internacional e Leuven é uma cidade feita de estudantes e muitos estudantes internacionais, portanto com o inglês estás à vontade de viver em Leuven de forma muito descontraído porque praticamente em todo o lado falam inglês. E a nível cultural talvez um bocadinho o facto de as pessoas serem mais frias na forma como se relacionam uns com os outros, mas não que tenha impactado de forma negativa a minha experiência. E lá está, conheci muitas pessoas de muitas partes do mundo e essas dificuldades que pudesse haver a nível cultural, acabamos por nos habituar muito uns aos outros, e no final acabam por não existir.
[Entrevistadora]: E sentes que acabaste por ter tempo para tudo? Ou seja, o teu estágio decorreu num regime intensivo ou era algo mais flexível?
[Entrevistada]: O meu estágio funcionou com funcionaria a vida de qualquer aluno de doutoramento ou investigador laboratorial. Eu ia para o laboratório 5 dias por semana, das 8h/9h até às 17h, 18h, 19h da tarde às vezes porque o problema da investigação laboratorial é que às vezes não tens horário fixo, mas dava sempre tempo para tudo. Uma vantagem de Leuven é que os países da Europa Central, acabam o dia de trabalho mais cedo, portanto por volta das 17h normalmente, às vezes 16h30 já estava em casa por isso para ir às compras, para ir sair, para ir fazer qualquer coisa dá sempre tempo para tudo durante a semana. E os fins de semana estavam sempre livres, o que é bastante bom quando estás de Erasmus porque consegues aproveitar para ir visitar cidades próximas, às vezes até países próximos não estivesse eu na condição que estava mais restritiva (Covid-19).
[Entrevistadora]: Após acabares o curso, como surgiu a oportunidade de trabalhares no estrangeiro, na Suíça? Era algo que já tinhas em mente? Foi uma oportunidade que surgiu?
[Entrevistada]: Eu sempre soube que queria fazer Eramus até porque de certa forma eu sempre achei que queria trabalhar no estrangeiro. Aliás, eu devia ter os meus 14 anos quando disse à minha mãe “Eu vou trabalhar numa farmacêutica na Suíça, é isso que eu quero fazer, é isso que eu gostava”. Quando te tornas mais velhas deixas de ter esses objetivos tão específicos porque não parecem tão realistas, mas depois no fim lá acabou por acontecer. Relativamente à oportunidade, no início eu estava apenas a concorrer para empresas em Portugal mas não estava a ter muito sucesso, não estava a encontrar propriamente posições na área que me interessava e comecei aos poucos a candidatar-me para empresas fora do país: na Holanda, na Bélgica, na Suíça, na Alemanha por aí e depois tive uma amiga minha que também fez Erasmus comigo em Leuven também da Universidade do Minho e ela concorreu para a Lonza na Suíça e perguntou-me “porque é que não tentas também? Eles estão a recrutar muitas pessoas com o nosso background para trabalhar com a Moderna para a vacina Covid” e pareceu-me uma oportunidade fantástica, muito atual e de certa forma também muito gratificante porque estar a trabalhar para a resolução ou pelo menos para o auxílio numa doença que estava tão presente no nosso dia a dia torna-se numa experiência quase surreal.
[Entrevistadora]: Relativamente à empresa que estás a trabalhar agora consegues explicar-nos um pouco mais sobre a empresa e o trabalho que desempenhas na mesma?
[Entrevistada]: A Lonza é uma farmacêutica bastante grande. Eles têm base em muitos sítios dentro e fora da Europa e, são uma empresa muito multidisciplinar a nível farmacêutica. Trabalham com small molecules e trabalham com a parte mais química, mas também trabalham com nanoparticles, com outros vírus e com uma série de empresas com quem eles fazem parcerias como eles fizeram com a Moderna. E ao nível do que eu estou a fazer em si, eu neste momento sou manufacturer specialist o que se traduz um bocadinho para especialista de produção e, não estou neste momento a realizar trabalho de investigação, nem de laboratório, mas continua a ser uma oportunidade muito boa, porque trabalho diretamente com os processos pelos quais se produz o mRNA portanto processos de filtração e cromatografia que nós aprendemos todos em pequena escala, mas neste caso, em escalas de litros e tenho uma pequena equipa de três a quatro pessoas em cada kit que é o que nós chamamos à área onde realizamos estes processos e, neste caso, estou encarregue de coordenar a equipa e coordenar os diversos passos do processo.
[Entrevistadora]: Então neste caso é uma equipa mais multidisciplinar ou trabalhas com muitos engenheiros biomédicos?
[Entrevistada]: Não, trabalho com pessoas de vários backgrounds a nível científico. Com engenheiros químicos com bioquímicos, com biólogos etc… e também com pessoas mesmo sem curso superior.
[Entrevistadora]: E no futuro, o teu plano é ficar por aí, voltares para Portugal um dia é uma possibilidade… um sonho.
[Entrevistada]: É uma pergunta difícil. Eu própria faço essa questão a mim mesma muitas vezes. Honestamente não sei. Neste momento estou muito feliz aqui. Espero ter oportunidade de crescer na minha empresa e entrar numa posição mais relacionada com investigação e R&D, Research and Development, portanto pelo menos no futuro próximo espero continuar em Visp, na Suíça. Talvez passar para outra zona da Suíça mais urbana. Visp é pequenino e é uma vila muito típica e é uma aldeia pequenina, mas que está a crescer bastante principalmente por causa da Lonza e da quantidade de pessoas que eles estão a empregar, mas eu gostava de uma coisa mais urbana… não muito, mas ligeiramente, portanto talvez noutras zonas da Suíça isso existe como Basileia, Zurique… agora sair da Suíça, não sei… o nível de vida e o conforto que se tem aqui não me dá grande vontade de me ir embora.
[Entrevistadora]: Ana, há pouco falávamos do processo de recrutamento da empresa onde estás agora e, achas que foi algo fácil ou até foi bastante competitivo por exemplo, que fator é que se destacou no teu currículo ou na entrevista que acabaram por fazer com que mais tarde ficasses na empresa?
[Entrevistada]: É assim, neste caso para esta posição não foi muito difícil porque eles estavam numa altura em que estavam a aumentar a produção de forma enorme e então estavam mesmo a recrutar muitas pessoas com background científico e, para além disso, quando a Lonza começou, começaram com pessoas que não tinham tantas habilitações porque precisavam de mão de obra naquele momento então foram buscar pessoas da região e, depois à medida que foram crescendo começaram a recrutar mais engenheiros, mais bioquímicos, pessoas com um background científico e curso superior e, portanto na altura em que fui recrutada não senti que fosse muito difícil… o que se terá destacado, lá está, foi o facto de eu ser uma engenheira biomédica e, provavelmente o facto de ter… acho que a minha experiência de Erasmus é sempre algo que é sempre muito valorizado em qualquer entrevista de emprego e, principalmente no estrangeiro porque prova que és uma pessoa adaptável e que consegue transmitir ideias e comunicar numa língua estrangeira e que não tens medo de enfrentar desafios.
[Entrevistadora]: E tiveste algum tipo de formação quando aí chegaste? Sentes que o teu curso de preparou para o desafio de estar agora no mercado de trabalho?
[Entrevistada]: Sinto que.. Bem este trabalho não sei até que ponto o meu curso e especificamente o meu mestrado está diretamente a preparar-te… o que eu sinto é que o meu curso me deu as bases para depois me adaptar e aprender as coisas novas que preciso de aprender no trabalho em que estou e, principalmente na produção fazer… Produzir em si não é algo que o teu curso te vá ensinar, mas os processos que estás a realizar e pelos quais o produto passa, isso sim, a engenharia biomédica foi um auxílio enorme porque estamos a falar de reações com … é difícil quando não estás habituada a falar português no teu dia a dia a encontrar as palavras corretas (risos)… mas com o mRNA, com componentes biológicas e químicas e com processos como a cromatografia e filtração que são processos que meio são abordados durante o nosso percurso académico.
[Entrevistadora]: Olha há pouco falavas da língua, no teu dia a dia falas em inglês… eles dão-te esta abertura para falares em inglês no seio da empresa?
[Entrevistada]: Sim, não em todas as partes da empresa porque ainda está um bocadinho em fator de crescimento nessa parte, mas pelo menos na área… a maior das pessoas que eu conheço não falam alemão e a maior parte das pessoas com quem eu trabalho também não e, portanto, o inglês é basicamente a língua com que comunicamos sempre, no entanto, já estou inscrita num curso de alemão, portanto espero em breve conseguir expressar-me tão bem ou pelo menos razoávelmente em alemão como me expresso em inglês.
[Entrevistadora]: Ah e vais conseguir. Não sei se, entretanto, queremos fazer mais alguma pergunta eu por mim…
[Entrevistadora]: Acho que podes fazer a última pergunta.
[Entrevistadora]: Ana, quais as maiores vantagens de uma carreira internacional? Sentes que ganhaste mais ferramentas lá fora do que se tivesses ficado cá dentro… conta um bocadinho…
[Entrevistada]: Eu acho que a maior vantagem de uma carreira internacional para além de estares numa empresa muito maior do que se calhar teria oportunidade de trabalhar em Portugal e uma empresa que também está ligada em várias partes do mundo o que me permite um dia, se quiser, passar daqui para Singapura ou para os Estados Unidos. É mais fácil diria eu do que numa empresa mais pequena… eu acho que é principalmente a nível pessoal sinto que cresci muito ao vir para aqui e estar sozinha entre aspas porque não estou e as pessoas… o facto de trabalhar e conviver diariamente com diversas culturas é muito enriquecedor e aprendes mesmo muita coisa… parece um bocadinho cliché, não é? Mas é mesmo verdade as coisas que aprendes e a forma de ver a vida também se transformam um bocadinho porque conheces pessoas tão diferentes e com experiências de vida tão diferentes que depois põe um bocadinho a tua vida em perspetiva.
[Entrevistadora]: Sim, sem dúvida! Olha Ana muito obrigada mais uma vez pela tua amabilidade em estar aqui hoje presente a dar o teu testemunho. Foi um prazer ficar a par das tuas experiências e vivências que certamente inspiraram quem nos está a ver em casa. E a quem nos esteve a ver resta-nos agradecer por nos terem acompanhado ao longo deste episódio e fiquem atentos a mais novidades. Obrigada!
[Entrevistada]: Eu é que agradeço pela oportunidade é sempre bom. Disse no início e digo agora novamente, é sempre um prazer partilhar a minha experiência e motivar quem quer que esteja a precisar desta motivação extra que espero eu seja o que esteja a transmitir e qualquer coisa que precisem estejam à vontade para me contactar novamente. Foi um prazer falar convosco.
[Entrevistadora]: Obrigada.
[Entrevistadora]: Muito obrigada! Acho que deste lado sentimos exatamente o mesmo, obrigada!
[Entrevistada]: De nada!
A ANEEB agradece por teres aceite esta entrevista e pela partilha da tua experiência fora de Portugal, esperando com isto ajudar outros estudantes que estejam prestes a tomar esta decisão. Votos de sucesso!