Avançar para o conteúdo

Entrevista a Tiago Oliveira

Tiago Oliveira

Ex-estudante do Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica, na Universidade do Minho e atual trabalhador na start-up japonesa Ridge-i

A ANEEB teve o prazer de entrevistar Tiago Oliveira, ex-estudante do Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica, na Universidade do Minho e atual trabalhador na start-up japonesa Ridge-i. O Tiago falou-nos acerca da sua experiência internacional que está a viver no Japão.

[Entrevistador] – Raul Almeida (ANEEB)

[Entrevistado] – Tiago Oliveira

 

Vê aqui a Entrevista completa!

[Entrevistador] – Pelo que pesquisei no teu LinkedIn, sei que atualmente vives no Japão, e estás a trabalhar numa empresa ligada à Engenharia Biomédica, com o cargo de AI Engineer. Podes falar um pouco sobre a tua empresa e no que consiste o teu trabalho na empresa?

[Entrevistado] – Sim é verdade. Trabalho na Ridge-i, uma start-up japonesa com cerca de 6 anos. A Ridge-i opera na área de Computer Vision e Inteligência Artificial, desenvolvendo alguns projetos na área da Engenharia Biomédica. Muitos dos projetos desta start-up são da área da consultoria e tem clientes de grandes empresas, como a Toyota, Sony, Mitsubishi, entre outras. Atualmente, a minha posição na empresa é de Leader Engineer e sou responsável por fazer a gestão de desenvolvimento de softwares e projetos de data science. Tenho uma pequena equipa na qual tenho como funções planejar projetos, distribuir tarefas, algum desenvolvimento de software (se necessário) e sou ainda o responsável por fazer a ponte entre a equipa de desenvolvimento e o departamento de vendas. Comecei a trabalhar na Ridge-i há 2 anos. 

[Entrevistador] – Muito obrigado. Foi uma explicação clara do que a empresa faz e do teu trabalho. Quando começou toda esta experiência e aventura no Japão?

[Entrevistado] – Vim para o Japão há sensivelmente 4 anos atrás. Durante o meu Doutoramento na Universidade do Minho contactei com um professor no Japão que estava a trabalhar com algo muito semelhante ao que eu queria fazer no meu projeto de Doutoramento. Este professor mostrou-se entusiasmado com o convite de colaboração e convidou-me para fazer um estágio de 3 meses no Japão no National Institute of Informatics (NII), onde trabalhava.  A colaboração correu bem e no ano seguinte foi-me feito novamente o convite para estagiar por mais 3 meses na mesma empresa, que voltou a ser renovado por mais 3 meses, ou seja, estagiei durante 9 meses na NII. Nessa altura estava a terminar o meu Doutoramento, e o professor propôs-me fazer um pós-doutoramento no Japão. Em 2017 terminei o Doutoramento e decidi mudar-me para o Japão, onde realizei o pós-doutoramento que me ajudou a perceber que a área da investigação não era a que eu queria vir a trabalhar. Logo a seguir, fiz outro pós-Doutoramento na Tokyo Medical and Dental University, num laboratório de matemática aplicada à saúde, e foi, através deste segundo pós-Doutoramento, que tomei a decisão de trabalhar na área da indústria e tentei a minha sorte no mundo das start-ups, que é muito grande no Japão especialmente em Tokyo. Enviei currículos, candidatei-me e fiz entrevistas. Dei sempre mais prioridade a locais de trabalho que trabalhassem mais em inglês, uma vez que não domino o japonês. Além disso, tinha interesse em trabalhar na área de Machine Learning e Computer Science. Foi assim que encontrei a Ridge-i e que consegui uma vaga nesta start-up.   

[Entrevistador] – Estou espantado. Não sabia que a tua experiência no Japão era de tão longa data. Parabéns por estares onde estás agora, tem todo o mérito. A nível burocrático, que dificuldades é que sentiste a sair de Portugal e a chegar a uma cidade japonesa? 

[Entrevistado] – Como fui convidado a trabalhar aqui, a instituição forneceu-me um certificado de elegibilidade, o qual levei à embaixada do Japão em Portugal, que, por conseguinte, emitiu um visto para que eu pudesse viajar com propósito de trabalhar no Japão. Chegando aqui, deparei-me logo com a dificuldade em arranjar habitação, especialmente por ser estrangeiro. A forma mais rápida é alugar um quarto numa share house e depois procurar uma habitação mais fixa. Mesmo assim, poderá ser complicado. O custo da mudança inicial é muito avultado. Por exemplo, tens de pagar um custo de limpeza de 300€ e pagar uma oferta de cerca de 800€ ao senhorio, que nunca revês. Estes custos podem chegar aos 4000€. As leis são muito protecionistas dos senhorios e por isso é que as mudanças custam muito dinheiro. O Japão é um país muito caro. Parte da minha aventura aqui também é procurar a forma mais barata de fazer as coisas.

[Entrevistador] – Gostava ainda de perceber se é muito difícil conseguir voos entre Japão e Portugal? Costumas visitar Portugal com frequência? 

[Entrevistado] – Há quase cerca de 3 anos que não vou a Portugal, devido à situação pandémica causada pelo vírus Covid-19. O Japão tem ainda medidas muito apertadas para viagens, e os voos são um bocado caros. Normalmente, procuro voos de 24h da Turkish Airlines, que são capazes de ser os mais baratos, custando cerca de 700€. No entanto, a Emirates também tem voos baratos de Lisboa. 

[Entrevistador] – Muito obrigado pela dica. Vi-te a fazer mentalmente a conversão de yen para euro. Como funciona o custo de vida no Japão? Qual a comparação que fazes com o euro e com Portugal?

[Entrevistado] – O yen está bastante mais fraco que o euro. O que me faz chorar por dentro. A habitação, tal como já referi, é bastante cara e constitui a maior parte das despesas no Japão. Eu estava a pagar 600€ por um quarto pequeno numa share house. A alimentação também é cara, frutas e legumes acho muito mais caro em comparação com Portugal, por 5 maçãs pagamos quase 10€. As carnes também são dispendiosas. Em relação às despesas dos transportes, estas estão ao encargo das empresas, que são obrigadas a assegurar a deslocação dos trabalhadores até ao local de trabalho. No meu caso, a minha empresa paga-me o valor do passe de comboio, que é cerca de 200€. A entidade patronal regula muitos fatores da vida dos empregados. No Japão é obrigatório ter seguro de saúde, que na maioria dos casos são as empresas a pagar parte do valor. Desta forma, a saúde não é cara, pois pagamos mensalmente através do seguro de saúde. Felizmente, neste aspecto, as empresas aliviam um pouco o custo de vida dos trabalhadores. De forma geral, o custo de vida é alto, mas considero que vale a pena. Temos um bom salário, um país seguro, com mecanismos que nos oferecem muitas regalias, contribuindo para um estilo de vida estável.

[Entrevistador] – Obrigado pela explicação. Sentiste bem recebido e apoiado ao longo de toda a tua experiência no Japão?

[Entrevistado] – Sim, bastante. De um modo geral, as pessoas no Japão são muito educadas e prestáveis, mesmo havendo uma barreira linguística. Em todos os lugares que passei, senti-me apoiado e ajudado. De forma geral, os japoneses respeitam muito a tua privacidade também. Algo que aprendi e me adaptei, aumentar a minha distância em relação aos outros. 

[Entrevistador] – Trata-se de um dos choques culturais que sentiste? Quais as maiores dificuldades de adaptação que sentiste? 

[Entrevistado] – Eu não senti grandes dificuldades de adaptação. Creio que estou a sentir agora algum desgaste. Quando cheguei tudo era novo e uma aventura, e estava disposto a passar por essas diferenças. Mas ultimamente este distanciamento entre as pessoas, ou seja, falta de proximidade, creio que começa a desgastar-me um bocadinho. Por exemplo, eu não conheço os meus vizinhos e nunca os vi. O que torna difícil fazer amigos, razão pela qual a maior parte dos meus amigos são estrangeiros, a maioria europeus e sul asiáticos. Sim, pois apesar da comunidade japonesa ser constituída por poucos estrangeiros, estes são muito diversificados entre si. O que me fez contactar com culturas muito diferentes de todo o mundo.

[Entrevistador] – O que achas de turismo no Japão? É fácil viajar pelo Japão? Aproveitaste para viajar muito? 

[Entrevistado] – É fácil, mas é caro. Fica mais barato ir de Tokyo a Seul na Coreia do Sul, do que de Tokyo a Sapporo, que é a principal cidade da ilha mais a norte do Japão. Eu ainda não fui a Sapporo porque é caro, mas fui a Seul. Viajei muito nos meus primeiros anos a residir no Japão. De forma geral, fica mais barato viajar de avião do que de comboio entre cidades japonesas. Turistas normalmente costumam ter ofertas de passes especiais. 

[Entrevistador] – Entendi. Em relação à língua, qual a tua relação com o japonês? Aprendeste?

[Entrevistado] – Eu tentei aprender, tentei começar. Nos primeiros meses, como não sabia quanto tempo ia ficar aqui no Japão, não tentei aprender de forma séria. Se pudesse voltar atrás, teria investido mais tempo em aprender japonês. Agora o tempo para tal é mais escasso e o meu progresso é pouco. 

[Entrevistador] – Vais conseguir falar como um nativo japonês, vais ver. Além de dedicar mais tempo a aprender japonês, se soubesses o que sabes hoje mudarias alguma coisa? Arrependeste de algo? 

[Entrevistado] – Não. Exceto aprender japonês, não mudaria nada, faria tudo da mesma forma. Creio que se alguém deseja viver no Japão, vale a pena aprender japonês, abre muitas portas. Houve muitas situações em que fui limitado por não falar japonês. Falar japonês torna tudo mais fácil. 

[Entrevistador] – A tua realidade agora confere todas as expectativas e ideias que tinhas antes de começares toda esta jornada? 

[Entrevistado] – A minha expectativa inicial seria continuar na investigação. As circunstâncias aqui, querer casar, querer ter mais estabilidade e assentar, mudaram os meus planos iniciais. 

[Entrevistador] – Acho que ao longo de toda a entrevista ficou claro o que toda esta experiência representou para ti e a reviravolta que deu na tua vida e expectativas. Que conselho darias a alguém que pretendesse seguir um percurso idêntico ao teu? A alguém que quisesse estudar e/ou trabalhar no Japão.

[Entrevistado] – Arriscar, não ter medo. Mesmo que os planos não estejam bem definidos. Temos sempre tempo de nos adaptarmos e solucionarmos. Acho que é uma boa ideia para quem gostaria de ter uma experiência fora de Portugal, a mim tornou-me uma pessoa melhor e mais tolerante. Além disso, toda a experiência fez-me valorizar muito mais Portugal.

[Entrevistador] – Considero um conselho fantástico! Muito obrigado. Direcionando a conversa para o mundo académico, sabemos que estudaste na Universidade do Minho, achaste fácil entrar no mundo do trabalho após conclusão dos estudos. 

[Entrevistado] – Assim que terminei o Mestrado Integrado, não sabia que rumo dar à minha vida profissional. O curso deu-me uma capacidade de me adaptar a diferentes domínios, a focar-me em matérias diferentes e aprender tópicos diferentes em detalhe. Assim que terminei o curso, candidatei-me à bolsa de doutoramento e comecei a trabalhar no meu projeto. Que considero ser uma forma de trabalho e que encarei como um trabalho.

[Entrevistador] – A última pergunta que gostava de fazer, diz respeito às diferenças no processo de recrutamento que sentiste nas empresas de Portugal e empresas do Japão. Consegue apontar alguma?

[Entrevistado] – Para mim é difícil apontar diferenças, visto que nunca trabalhei em Portugal sem ser em Doutoramento. No Japão, consegui a minha entrevista ao ser contactado por um recrutador através do LinkedIn. O recrutador faz a comunicação com a empresa e tem a responsabilidade de contratar novos empregados para certas vagas. O que tem prós e contras. Prós: não desgastei a minha relação com a empresa. Contras: o acerto do meu salário foi com o recrutador e não diretamente com a empresa.

[Entrevistador] – Muito obrigado Tiago, não tenho mais questões. Fico muito contente com a entrevista, correu muito bem. Muito obrigado por teres aceite o meu convite e, em nome da ANEEB, desejo-te as maiores felicidades para estes próximos anos de trabalho.

[Entrevistado] – Muito obrigado! As melhores felicidades para a ANEEB e foi um prazer. 

A ANEEB agradece por teres aceite esta entrevista e pela partilha da tua experiência fora de Portugal, esperando com isto ajudar outros estudantes que estejam prestes a tomar esta decisão. Votos de sucesso.