Entrevista a Mário Fartaria
Mário Fartaria
Mestre em Engenharia Biomédica pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa que se encontra neste momento a trabalhar na Suíça.
A ANEEB teve o prazer de entrevistar Mário Fartaria! O Mário falou-nos sobre a sua experiência internacional em Milão, além do seu extenso percurso académico e profissional ao longo do curso!
[Entrevistador] – João Freitas (ANEEB)
[Entrevistador] – Bruno Mendes (ANEEB)
[Bruno Mendes]: Boa tarde a todos! Neste episódio do Biomédicos pelo Mundo, contamos com a presença do Dr. Mário João Fartaria. O Dr. Mário iniciou os seus estudos universitários com um Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica na Universidade NOVA de Lisboa, durante o qual realizou Erasmus no Politécnico de Milão. Depois, prosseguiu com os seus estudos num Phd na Universidade de Lausanne (Suíça) e atualmente, tem conhecimentos avançados em Imagem Médica e Física Médica, sendo que lhe foi atribuído, inclusive, um certificado de Project Management Professional.
Dada então toda esta ligação profissional à Engenharia Biomédica, gostaria de lhe perguntar de que modo surgiu esta paixão por este curso, por exemplo, se foi alguma disciplina em específico, ou mesmo algo que tenha ouvido!
[Mário Fartaria]: Para ser sincero, eu no início estava bastante confuso. O meu objetivo era Medicina, mas não entrei por muito pouco. Agora que penso, considero que tenha sido um sinal, porque as minhas skills são mesmo para Engenharia e não para Medicina. A Engenharia Biomédica é, sem dúvida, única e interessante e apenas no terceiro ano é que me senti concretizado com a minha decisão. Percebi que temos um conhecimento vasto em todas as áreas, e foi isso que me atraiu mais neste curso. Atualmente, considero a Engenharia Biomédica um dos cursos mais valiosos, pelo que vejam que vai valer a pena!
[João Freitas]: Aproveito, inicialmente, para agradecer pela sua presença e também para cumprimentar todos os que nos estão a assistir! Passando aqui para um ponto que o Bruno já referiu na introdução, e que certamente o Mário terá mais coisas para nos contar, gostaríamos de saber porque tomou a decisão de ir de Erasmus, mais concretamente, no Politécnico de Milão.
[Mário Fartaria]: A minha vontade por ter uma experiência internacional não veio dessa altura em específico, mas sim do passado. Sempre tive aquele bichinho de ir para fora, tanto que cheguei a fazer um curso de inglês em Londres e também aproveitava os verões para ir trabalhar fora. Durante o curso sabia que havia esta oportunidade, então aproveitei-a. Não era a pessoa com a melhor média, por isso candidatei-me a uma bolsa pela Engenharia Física. Havia diversas opções, mas somente as vagas de Milão não tinham sido preenchidas. A minha sorte é que o Estágio era interessante!
[Bruno Mendes]: Diria que a sua experiência esteve à altura das suas expectativas, ou houve alguma coisa em específico que o tenha desiludido?
[Mário Fartaria]: Foi tudo muito interessante. Inclusive pude fazer cadeiras que não seriam possíveis fazer em Portugal. Uma delas foi uma cadeira de Cirurgia Assistida, a qual envolve temas como a Robótica, a Imagem Médica, entre outros. Eram técnicas muito complexas que envolviam muita física e matemática, mas eu gostei bastante. Havia uma parte muito engraçada que era com cadáveres de porco em que simulávamos uma cirurgia. Também tínhamos uma cadeira de Biochips ligado a nanotecnologia, a qual não era a minha área preferia, mas era muito interessante. Há uma grande diferença entre o ensino Italiano e o Português. O Italiano é muito mais teórico; muito no papel. No entanto, são excelentes profissionais.
[João Freitas]: Tendo em conta tudo o que mencionou, e se soubesse na altura o que sabe hoje em dia, teria mudado de alguma forma o seu percurso?
[Mário Fartaria]: Não! Tentaria, aliás, fazer mais! Fazer mais experiências no exterior! Eu aconselho-vos a todos vocês falarem com laboratórios e centros de investigação pela Europa. Por vezes, há coisas que não sabemos que lá estão. No entanto, esta experiência, por vezes, é uma muito mais valia do que a própria cadeira mais difícil do curso. Se fosse hoje, não faria só Erasmus. Teria contactado também pessoas diretamente para ir lá estagiar.
[Bruno Mendes]: Sendo assim, o que aconselha a todos os alunos de Engenharia Biomédica que pretendam fazer Erasmus?
[Mário Fartaria]: Primeiro, aconselho-vos a perceberem primeiro a área que vos dá mais prazer. Depois, sejam ambiciosos! Pesquisem sobre os melhores laboratórios! às vezes os protocolos das Universidades são complicados, mas eu diria para não desistirem de cumpri-los e irem até ao fim! O não é garantido e é difícil, mas em caso de dar certo, abro-vos bastantes portas! Por fim, diria para não se preocuparem com as equivalências. Mesmo que repitam um ano, a experiência valerá muito a pena.
[João Freitas]: Está certamente dada aqui uma mote para todos os nossos ouvintes – “Porque não tentar?”. Bom, passando agora a um outro ponto, mais especificamente sobre o seu atual trabalho, podia elucidar-nos e falar um pouco mais sobre o que está a fazer neste momento e a empresa em que se encontra? Em que projetos e desafios atuais está envolvido?
[Mário Fartaria]: É tudo uma história muito longa. Eu candidatei-me a uma bolsa do Governo Suiço para investigação e tive de procurar um professor e uma Universidade que estivesse disposta a receber-me. Após um ano neste projeto e um artigo publicado, os professores e investigadores gostaram do meu serviço e propuseram-me a ficar para tirar um Doutoramento. Este Doutoramento foi em parceria com a indústria, mais especificamente com a Siemens, a qual, futuramente, me propôs eu ir para lá para trabalhar como Engenheiro Biomédico. Após esta etapa da minha vida, decidi mudar de empresa para a Varian, especializada em radioterapia. Quanto aos meus projetos, eu desenvolvi, na área da Imagem Médica, um dispositivo que detecta lesões automaticamente nas imagens de Ressonância Magnética. Isto é bastante útil, pois é através da quantidade de lesões que os médicos realizam o diagnóstico da Esclerose Múltipla. Além disso, estendi a ferramenta também para fazer follow-up para avaliar o avanço da doença nos doentes em cada ressonância efetuada. Ao invés dos médicos passarem horas ou dias a contar as lesões, o processo poderá ser feito em minutos. Atualmente, este dispositivo já é utilizado em diversas partes do mundo.
[Bruno Mendes]: Considero afincadamente que o Mário representa em plenitude a função de um Engenheiro Biomédico. Temos um problema e temos de pensar numa solução. Creio que seja isso que faz de nós bons profissionais, porque somos especialistas na resolução de problemas.
[Mário Fartaria]: Exatamente! Há também quem diga que o Engenheiro Biomédico cria os dispositivos para substituir o médico, mas não! Estamos aqui para ajudar e facilitar nas tarefas mais demoradas! Eu, por exemplo, também criei um programa que realizava a segmentação automática dos órgãos para radioterapia: perceber onde estava o estômago, o fígado, entre outros. Manualmente, demoraria muito tempo a fazer essa segmentação. No entanto, nós conseguimos fazê-la em segundos! Nós temos em mente que, certamente, há riscos e que a ferramenta não é perfeita, tanto que, no uso do dispositivo, impõem-se a obrigatoriedade do médico analisar a imagem e confirmar se tudo bate certo.
[João Freitas]: De facto, a criação destes equipamentos acarreta uma enorme responsabilidade, pelo que é mesmo importante aquilo que disse: o objetivo é auxiliar, não substituir. Muito bem. Conseguimos já compreender que o Dr. Mário, com esse bichinho de ir para fora, já tem uma grande janela de experiência no exterior. Pegando agora em específico nos países em que viveu, nomeadamente a Itália e a Suíça, como compararia o estilo de vida daí com o de Portugal?
[Mário Fartaria]: Na Suíça, digo que é tudo a multiplicar por três; é tudo mais caro. Uma renda não se arranja a menos de 1000 euros. Diria que, por este motivo, não aconselho a fazer-se Erasmus na Suíça. No entanto, grande parte da tecnologia na área de medicina é desenvolvida aqui, pelo que, como projeto futuro, é algo que compensa. Já em Itália diria que as coisas são mais equivalentes, pelo menos na altura em que eu fui. Por um quarto cheguei a pagar por volta de 600 euros. Sofre-se um bocadinho: ao invés de se beber uma cerveja bebe-se meia cerveja, mas tudo se faz. Poupa-se na comida, come-se massa com atum, ao invés de se ir ao restaurante. No entanto, aquilo que eu senti que era mesmo muito importante, era manter uma vida social e não evitar convívios e festas.
Diria que, certamente, se sente um certo choque cultural e que nem sempre é facil. Na Suíça, especialmente aqui na parte Alemã, as pessoas são mais frias e distantes, o que torna o ato de criar amizades complicado. No entanto, é garantidamente algo que vale a pena.
[João Freitas]: Continuando aqui a linha de raciocínio, mais especificamente no que toca à língua, o Mário apoiou-se no inglês ou tentou aprender as línguas dos países?
[Mário Fartaria]: Em Itália, antes de chegar a Milão, eu fiz um curso de Italiano, em Lisboa, de três ou quatro meses. Mas isto foi opção própria, não havia essa necessidade. No entanto, foi uma mais valia, uma vez que o Italiano é uma das línguas oficiais da Suiça e eu consigo falar com imensos amigos nessa língua. Já Alemão, é uma língua que ainda não aprendi, mas é um desafio que estou disposto a aceitar. É mais dificil, mas agora em 2024 hei de aprender. Seja de que modo for, investir em línguas é algo divertido e que será sempre útil para vocês que forem para fora.
[Bruno Mendes]: Já estamos quase a chegar ao fim, mas gostaria de perguntar, adicionalmente, de que maneira diferencia a investigação realizada em Portugal com a que é feita nos países em que esteve presente?
[Mário Fartaria]: Eu estou num país que é o paraíso da investigação. Aqui temos tecnologia de ponta e a compensação a nível salarial é bastante positiva. É um ambiente bastante competitivo para quem queira vir cá trabalhar, mas vale bastante a pena por isso. Eu em Portugal, quando fiz investigação, não me posso queixar, pois gostei bastante do que fiz. Acredito mesmo que Portugal é um país com imenso potencial, mas acho que há muito trabalho a fazer-se ainda, em especial na parte da remuneração. Temos de puxar isso para cima. Em Portugal, os Engenheiros Biomédicos acabam por seguir o caminho mais confortável, que é a consultoria, o que eu percebo totalmente. Trabalhamos e queremos, certamente, um bom salário. No entanto, muitas vezes não é o que as pessoas ambicionam ou têm paixão por. Temos de valorizar mais a Engenharia Biomédica aí. Há muito a fazer, mas acredito que vá melhorar. Talvez um dia volte para tentar puxar Portugal para ter melhores condições na investigação.
[João Freitas]: Não querendo perder o foco da conversa, com tudo o que já passou, sente-se valorizado no mercado de trabalho tendo em conta essa excelente reputação da Suiça?
[Mario Fartaria]: Eu creio que sim. O meu interesse, atualmente, já não é tanto a investigação, mas sim a indústria. Atualmente estou apenas com três projetos em mente, mas, por exemplo, já agora em 2024 serei promovido para Gestor de Portfólio, em que serei responsável por supervisionar um departamento inteiro ao invés de apenas projetos soltos. Por isso, definitivamente diria que sou bastante valorizado e eu acho que as empresas valorizam bastante as pessoas, especialmente àquelas que trabalham.
[Bruno Mendes]: Fico bastante satisfeito por poder ver que está a conseguir emancipar o nosso país a partir do seu trabalho e profissionalismo. Também eu um dia espero poder fazer isso, de ir para fora e voltar com mais experiência e ajudar o nosso país a desenvolver-se. Deste modo, gostaria de terminar referindo que gostei bastante de ouvir todas as suas palavras. Acredito que será uma inspiração para todos os que oiçam, tal como foi para mim.
[João Freita]: Mais uma vez, também gostaria de lhe agradecer por tudo, especialmente pelo tempo disponibilizado!
[Mário Fartaria]: Obrigado eu! Qualquer coisa que precisem, desde conselhos até uma nova entrevista ou palestra, estarei disposto a ajudar e participar!