Entrevista a Juliana Guerra
Juliana Guerra
Ex-aluna do mestrado de Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
A ANEEB teve o prazer de entrevistar uma ex-aluna do mestrado de Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Juliana Guerra, no dia 30 de julho de 2019, tendo tido oportunidade de fazer Erasmus na Polónia.
[Entrevistador] – Patrícia Falcão (ANEEB)
[Entrevistado] – Juliana Guerra
[Entrevistadora] – Quando realizaste a tua experiência?
[Entrevistada] – Fiz erasmus no 1ºsemestre do 3ºano, em 2016/2017. Fui no início de setembro e voltei no fim de fevereiro.
[Entrevistadora] – Onde realizaste a tua experiência e porquê esse sítio?
[Entrevistada] – Estive em Łódź, na Polónia. Não é muito conhecida, apesar de ser a terceira maior cidade da Polónia! De entre as opções que a minha faculdade me dava, foi a que me chamou mais à atenção. Sinceramente fiquei mais interessada pelo país em si, relativamente às outras opções – Roménia, Turquia e Grécia. Achei que a Polónia fosse um desafio mais engraçado. Todos ouvimos falar de Varsóvia, sendo a capital, mas pensei que seria um bocadinho mais confusa, então Łódź era um bom cantinho para mim (risos).
[Entrevistadora] – Porque tomaste a decisão de ir de erasmus/outros?
[Entrevistada] – Eu tenho uma irmã mais velha que quando estava na faculdade queria ir de erasmus, um dos maiores arrependimentos que ela tem é efetivamente não ter ido, então encorajou-me a ir. Depois, dentro do que o nosso curso nos podia oferecer cá, eu queria também aprender um bocado do que há lá fora. Assim, achei que ligar a minha independência a esta curiosidade, ir para fora era o plano perfeito, decidindo então inscrever-me em erasmus. Na altura fui a única do meu ano. Sempre achei que só cá não teríamos uma experiência completa da faculdade. Acho sinceramente que é uma experiência que toda a gente que pudesse, deveria ter.
[Entrevistadora] – Quais foram as maiores dificuldades a nível burocrático? (Learning agreement etc)
[Entrevistada] – Acho que se pede muita coisa para fazer erasmus e na minha faculdade até tivemos uma reunião com o departamento que trata com as relações externas com as outras faculdades. Tive que assinar um contrato super longo na hora. Na altura fui a única que disse que queria ler aquilo tudo do início ao fim, incluindo letras pequeninas (risos). Relativamente ao learning agreement, tive muitos problemas porque na Polónia eles usam muitas unidades curriculares de 2 ou 3 créditos, então eu tinha que fazer quase o dobro para conseguir fazer os mesmos créditos e infelizmente não me deixaram fazer duas unidades na minha faculdade. Eu depois tive que voltar e fazer os exames sem ter assistido a nenhuma aula. Esta é a parte mais negativa da experiência Erasmus que tive.
[Entrevistadora] – Foi fácil comunicar com os coordenadores de erasmus cá e lá e com as divisões de apoio de erasmus?
[Entrevistada] – Sim. Tanto o departamento de erasmus de cá como o de lá eram pessoas extremamente simpáticas que só queria mesmo que tudo corresse bem para o lado do aluno. Do lado de lá, eles até faziam atividades, faziam jantares, atividades culturais e convívios connosco para saberem se estávamos a gostar, se precisávamos de ajuda para ir ao médico, qualquer coisa. Eram mesmo muito prestáveis.
[Entrevistadora] – Qual foi a tua escolha a nível de alojamento? Tiveste dificuldades em conseguir? (optaste por residência/casa, porquê?)
[Entrevistada] – No início concorri para as residências da faculdade e fui aceite, mas como o nosso processo já foi tratado tarde relativamente ao ano letivo deles, fiquei nas piores residências. Na minha residência tinha que dividir o quarto com mais duas pessoas. Como depois uma amiga minha se inscreveu, ficamos as duas no mesmo quarto com mais uma pessoa. A questão é que era uma casa de banho a dividir pelo piso todo, isto é, 70 pessoas para 4 sanitas e 4 chuveiros mistos. Passado mais ou menos um mês/mês e meio já não estava a conseguir não ter a minha privacidade, decidimos arranjar uma casa. Como conhecemos lá dois portugueses, já éramos quatro para dividir casa. Vivi o resto da minha estadia lá num apartamento mesmo da época da guerra. Só estava remodelado por dentro, era muito giro. O meu portão ainda era blindado (risos).
[Entrevistadora] – Em relação ao nível de vida do país em que tiveste poderias esclarecer e dar informações de como é comparado com portugal? (Muito mais caro que portugal/foi possível estar low budget e aproveitar ao mesmo tempo)
[Entrevistada] – Na Polónia a moeda é o Złoty em vez do euro. A conversão é mais ou menos 4 vezes, ou seja, 1€, 4 Złoty. A verdade é que as coisas lá costumavam ser bastante mais acessíveis, especialmente a nível de supermercado e também os transportes. Por exemplo, comparando com o Porto, eu pagava de passe mensal 60€ para muitas zonas. Lá, por quatro meses, paguei 25€ por ser estudante, tinha todas as zonas da cidade e podia usar qualquer transporte. Por isso até talvez tenha tido um nível de vida melhor lá do que cá em Portugal com o mesmo dinheiro. Eu consigo dizer que conheço bem a cidade onde estudei porque conseguia sair das aulas e apanhar um elétrico para qualquer ponto. Mesmo quanto a jantares fora, consegue-se fazer uma refeição bastante boa e até típica de lá por 5/6€ sem ser fast food. Também consegui aproveitar pois ainda deu pra rentabilizar para viajar e conhecer 12 cidades do país. A única coisa que se sente mais é que talvez sejam um pouco mais antiquados. Parece que eles não têm tanta atenção à tecnologia, mas têm, só que o país ainda ficou um pouco parado. Por exemplo, as instalações da cidade eram boas, mas notava-se que eram mais antigas. Os elétricos também aparentavam ser bastante antigos.
[Entrevistadora] – Precisaste de fazer algum seguro de saúde? (e se alguma vez precisaste de usar correu tudo bem?)
[Entrevistada] – Fiz o cartão Europeu de Seguro de Doença. Depois do Natal tive bastante doente mas não fui tratada porque o hospital não me aceitou. Como não percebia polaco fluentemente, mandaram-me embora porque não haveria médicos que me compreendessem. Acabei por ir a uma farmácia e a farmacêutica foi mais simpática e auscultou-me e medicou-me. Ainda tive um mês doente, mas apanhei um dos piores invernos da Polónia. As temperaturas estavam nos -20ºC, -24ºC, por isso recuperar de uma constipação a ir para as aulas era bastante complicado.
[Entrevistadora] – Aprendeste a língua antes de ires/ou só lá? ( se sim Como?/ se não, foi uma barreira para ti?)
[Entrevistada] – Eu comecei a aprender a língua cá, mas de forma autodidata. O que fazia era ver vídeos no youtube e instalei o Duolingo no telemóvel. Acabei por descobrir que ainda deu bastante jeito porque para palavras básicas, o Duolingo realmente ajuda-te. A dizer “ali”, “Onde é isto”, para aquelas frases que fazem falta foi bom. Depois a faculdade enviou um email para um curso intensivo e eu decidi ir e realmente foi muito bom porque, para além de termos ido antes das aulas começarem, vieram já pessoas de todos os países, ou seja, os meus amigos de erasmus foram todos constituídos através desse curso. Nós tínhamos que estar lá mesmo desde as 9h às 17h todos os dias, o que criou uma união mesmo boa. Gostei mesmo muito. A nível da língua foi muito difícil. Só que sendo uma língua tão distante da nossa, nem dá para pensar em palavras parecidas e a estrutura das frases também muda muito. Têm mais letras que nós, com sons diferentes. Depois eles não aprendem tantos anos de inglês na escola como nós, portanto também têm uma grande dificuldade em comunicar connosco. Não reparas nessa diferença na faculdade, mas quando vais a um restaurante é muito complicado arranjar um empregado que fale o mínimo de inglês.
[Entrevistadora] – Sentiste-te bem recebida e que tinhas apoio lá?
[Entrevistada] – Senti-me bem recebida. O maior apoio que tinha era uma rapariga que conheci, a minha buddy atribuída pelo ESN Łódź. São mesmo associações que fazem este tipo de contacto entre pessoas do país e que vêm de fora. Ela foi muito importante no início para me mostrar a cidade, mostrar-me sítios para onde ir, como comprar o passe. Todas essas coisas para uma pessoa realmente se instalar que eram precisas. Ela era mesmo da Polónia, estudava na mesma universidade. Senti-me bem recebida a nível académico e fora, penso que por me assemelhar aos traços físicos como ser muito clarinha, depois ao verem que era estrangeira, o ambiente ficava mais complicado pela comunicação.
[Entrevistadora] – A tua ideia/expectativa do que seria a experiência foi aquilo que encontraste na realidade?
[Entrevistada] – Foi melhor, na verdade. Acho que a experiência, no geral, compensa muito. Eu acho que pensamos que vamos para fora e vamos aprender sobre as técnicas de fora, aprender mais, vai-se desafiar e assim, mas não faz ideia do quão realizada se volta. Trazemos a cultura desse país. Com a comunidade de erasmus acabas por conhecer um bocadinho de todo o mundo e, para mim, a melhor parte do erasmus, foi ter agora uma família internacional e conhecer um bocadinho de cada uma das culturas deles. Pensei talvez que fosse mais difícil e mais solitário, e na verdade não. Toda a gente está a ter uma experiência diferente e há sempre pessoas dispostas a ajudar-te e a fazer-te sentir bem recebida onde estás por isso a experiência foi mesmo muito boa.
[Entrevistadora] – Sentiste algum tipo de choque cultural ou dificuldade em te adaptares?
[Entrevistada] – Pessoalmente não senti, mas penso que a Polónia é um país que sofreu muito, tem uma história pesada e ainda é um país um pouco fechado a pessoas de fora, não está ainda bem preparado para recebê-las porque não estão preparados para a barreira da língua.
[Entrevistadora] – Se soubesses o que sabes hoje terias feito algo diferente?
[Entrevistada] – Talvez tivesse prolongado erasmus porque gostei muito. Acho que nos faz bem sair da nossa zona de conforto. Gostava de ter feito ainda mais mas talvez noutro sítio.
[Entrevistadora] – Arrependes-te de algo?
[Entrevistada] – Arrependo-me de não ter feito mais tempo de erasmus e viajado ainda mais.
[Entrevistadora] – O que te ensinou esta experiência?
[Entrevistada] – Eu tive cadeiras interessantes, até um pouco fora do meu plano curricular e até tinha aulas sozinha, mas fora disso, consegui criar uma família internacional. A minha casa era a casa do povo. Todas as semanas fazíamos um jantar ou uma festa e éramos 25 lá dentro, sempre, e éramos 10 sempre de “núcleo”. Além disso, vivia em casa dos meus pais antes de ir de erasmus e acho que esse foi o maior passo. Eu nunca tinha estado tão longe dos meus pais. Consegui independência, gerir a minha própria vida, fazer as minhas próprias opções e abrir também muito ao desconhecido. Mesmo quando vamos para a faculdade, temos medo do desconhecido porque entramos numa etapa nova. Ir para fora também foi uma etapa nova que me meteu quase todos os dias perante uma coisa desconhecida porque eu nunca tinha ido à Polónia. E essa sensação de estar a ser constantemente desafiada para fazer algo novo ou descobrir alguma coisa, tentar compreender a língua deles, a história do país, que é bastante interessante, tudo isso acho que me enriqueceu muito a nível pessoal.
[Entrevistadora] – O que aconselharias neste momento a alguém que planeie ir? (alojamento/zonas da cidade/saídas à noite/etc)
[Entrevistada] – Aconselhava a tentar aprender um pouco a língua porque vai dar sempre jeito, principalmente no início. Procurar estas associações de apoio a erasmus como o ESN, porque vão ter mapas, vão ter atividades, vão ter várias coisas para ajudar. Por exemplo, para a Polónia o melhor conselho que dava era a nível de roupa (risos) porque era muito complicado gerir temperaturas. Dentro dos edifícios estavam 20ºC e lá fora -22ºC, ou seja, tem que se levar o guarda roupa do ano todo porque tem que estar de t-shirt lá dentro e com cinco camadas de roupa lá fora. Ter um cartão internacional para não se preocuparem com a mudança de moeda, com residência lá fica mais fácil de pedir essas contas e facilita muito a estadia.
A nível de alojamento aconselho a residência se a pessoa estiver disposta a estar sob certas condições. São muito perto da Universidade, é ótimo. Relativamente a formas de arranjar alojamento, acho que uma boa forma é no facebook procurar grupos de estrangeiros nessa cidade. As pessoas acabam por se unir mais quando são todas de fora a tentar-se integrar numa cidade. Eu, por exemplo, encontrei a minha casa num desses grupos é estava perto do centro da cidade a pagar uma renda bem inferior comparativamente ao Porto.
Em termos de saídas à noite, Łódź tem uma rua comercial que são 6/7 quilómetros ou mais. Chama-se ul. Piotrkowska e tem toda a zona comercial a nível de cafés, bares e discotecas, até hosteis, mas não é como em Portugal. Às 19h o café, por exemplo, já está fechado. Eles almoçam às 11h e estão a jantar pelas 18h30/19h, por isso a essa hora só há bares, não há cafés. Há muitos sítios ótimos para jantar: ninguém se safa de ir comer uns pierogis, zapiekanka ou Placki Ziemniaczane mas o meu sítio favorito era o Manekin, melhores panquecas do mundo! Infelizmente tínhamos que jantar cedo porque as cozinhas fecham muito cedo! As discotecas, igual. Não se pode beber na rua, por isso os warm-ups têm mesmo que ser feitos em casa ou no bar (risos) e depois vão para a discoteca bem cedo. Nesta rua há imensas ruas perpendiculares que têm várias discotecas. As mais conhecidas é a Lordis e a Abracadabra. Estes eram os sítios em que toda a gente se juntava e principalmente no Lordis era onde a comunidade de erasmus fazia mais festas.
A ANEEB agradece por teres aceite este convite e por nos dares feedback de algo que pode ajudar outras pessoas a tomar decisões sobre um futuro internacional. Votos de sucesso!