Entrevista a João Martins
João Martins
Concluiu recentemente o doutoramento numa experiência internacional em Helsínquia
A ANEEB teve o prazer de entrevistar João Pedro Martins. O João falou-nos sobre a sua experiência internacional em Helsínquia, onde concluiu recentemente o doutoramento, e de como esta tem sido sinónimo de aprendizagem e crescimento, a nível profissional e pessoal.
[Entrevistadora] – Rita Matos (ANEEB)
[Entrevistado] – João Martins
[Entrevistadora] – Olá João, sê muito bem-vindo, obrigada por mostrar disponibilidade para estar aqui! Começo por perguntar como foi o seu percurso académico e como surgiu a hipótese de fazer doutoramento internacional?
[Entrevistado] – Olá, também eu agradeço pela oportunidade! Eu ingressei na licenciatura em Engenharia Biomédica na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e, posteriormente, fiz o mestrado, também em Engenharia Biomédica, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Quando estava a terminar o mestrado, percebi que estava interessado em continuar para doutoramento e, por isso, iniciei um programa doutoral no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, em colaboração com o INEB/i3S, no Porto.Lamentavelmente, comecei a ter problemas de financiamento e parti à procura de oportunidades no estrangeiro. Por conhecimento do meu orientador de doutoramento à data, concorri a uma bolsa para a Finlândia na mesma área de investigação. Inicialmente, consegui financiamento para 6 meses, que foi, eventualmente, prolongado até ter concluído o meu doutoramento, em dezembro de 2021 (já lá vão quase 6 anos). De facto, uma das grandes vantagens que notei de imediato foi que o financiamento na Finlândia não é centralizado como em Portugal, onde existe apenas a FCT como fonte de financiamento para projetos de doutoramento. Na Finlândia existem várias instituições a esse nível, o que faz com que haja maior facilidade em conseguir financiamento.
[Entrevistadora] – Certo, muito obrigada! O doutoramento em Helsínquia foi então em seguimento do trabalho já iniciado no Porto?
[Entrevistado] – Exatamente! O meu orientador no Porto, Prof. Dr. Bruno Sarmento, passou a ser meu coorientador e permitiu que eu continuasse o mesmo projeto de investigação na Faculdade de Farmácia da Universidade de Helsínquia, desta vez, sob a orientação principal do Prof. Dr. Hélder Santos e Prof. Dr. Jouni Hirvonen.
[Entrevistadora] – Como procedeu para candidatura à bolsa?
[Entrevistado] – Tomei conhecimento desta bolsa através do Prof. Dr. Bruno, como referi anteriormente. Depois de ter entrado em contacto com aquele que seria o meu orientador na Finlândia, o Prof. Dr. Hélder (curiosamente, também ele português), preparei um plano de trabalho relativamente simples, de 5/6 páginas, submeti e aguardei pelo resultado, que saiu em cerca de 3 meses.Ao saber que tinha conseguido esta bolsa, tive de cancelar a matrícula em Portugal (esse sim foi um processo que ainda demorou alguns meses até ficar regularizado). Depois de cancelada, avancei com a matrícula em Helsínquia e comecei a tratar das demais burocracias.
[Entrevistadora] – E então a esse nível burocrático, sente que foi fácil fazer a transição de Portugal para a Finlândia?
[Entrevistado] – Sim, sinceramente sim. Foi muito simples porque os serviços cá na Finlândia estão centralizados. Ou seja, a partir do momento em que nos é atribuído um número da segurança social, este fica associado a tudo o que fazemos: seja a matrícula na universidade, seja uma consulta no centro de saúde ou até mesmo um contrato de compra de um telemóvel. Assim é muito simples tratar de tudo, porque quase todos os serviços (sejam eles mais ou menos essenciais) funcionam com base no uso deste número. Por exemplo, fiz o meu contrato de eletricidade em menos de 5 minutos. Bastou dar este número, e o contrato não só ficou feito imediatamente, como a luz ficou disponível no apartamento em menos de 10 minutos.
[Entrevistadora] – Eu assumo que viver na Finlândia seja muito diferente do que estava habituado em Portugal, notou muitas diferenças?
[Entrevistado] – Eu acho que sair do país é sempre um choque! Eu tinha tido apenas uma experiência internacional, quando passei 1 mês no laboratório de Engenharia Biomédica da Universidade de Macau, na China, inserido no IAESTE, que é um programa de estágios. Mas acho que vir morar para um sítio novo, mesmo dentro da Europa, como é o caso da Finlândia, acarreta sempre muitas coisas que nem somos capazes de imaginar a priori. A mudança de país está associada a um acréscimo de responsabilidade, a tanta coisa que surge continuamente, tanta informação nova, culturas tão diferentes… todos estes fatores acabam por nos manter tão ocupados e ajudam a atenuar as saudades, porque, na verdade, acho que ficamos sem muito tempo para ficarmos tristes durante os primeiros meses. A Finlândia, em particular, é um país extremamente organizado onde tudo decorre com muita naturalidade, mas também com muitas regras. E mesmo que, por vezes, até possamos ter uma sensação quase de injustiça, por não serem capazes de nos atenderem num determinado serviço 5 minutos depois da hora, faz também com que a sociedade viva numa organização tal em que tudo corre de forma ordeira e está bastante sistematizado!
[Entrevistadora] – O facto de ser uma cultura com essa mentalidade, acredito que tenha facilitado o processo de adaptação.
[Entrevistado] – Sem dúvida alguma! Consegui resolver a maioria das coisas relativamente rápido e de forma fácil. São pessoas que se respeitam mutuamente, e isso, só por si, já é uma grande ajuda no processo de adaptação.
[Entrevistadora] – E sentiu dificuldade em se habituar à cultura e ao modo de viver dos finlandeses?
[Entrevistado] – Sinto que as pessoas aqui são muito educadas e simpáticas, mas mantêm sempre o espaço pessoal bastante reservado. Têm uma cultura de individualidade mais intrínseca, talvez por isso tenham vivido a pandemia com mais tranquilidade. Mas aquilo que senti mesmo mais falta foram os abraços e a conversa fácil em qualquer lugar. Nós, portugueses, temos sempre essa predisposição ao interagir com quem quer que seja. No entanto, acabei por aprender a conviver com isso, mas confesso que me custou. Aprendi que, se respeitar o espaço individual de cada um, algumas atitudes que poderia apelidar de mais frias, são apenas culturais, e que por isso não estão a ser menos educados.
[Entrevistadora] – A nível de método de estudo/trabalho, notou muita diferença em relação a Portugal?
[Entrevistado] – Eu fui inserido no ambiente de trabalho de uma instituição finlandesa, mas o meu orientador era português e o grupo de trabalho, apesar de multicultural, consistia numa minoria de finlandeses, e numa maioria de investigadores italianos, chineses e portugueses. Por um lado, senti algumas diferenças, mas por outro não fui colocado no ambiente de trabalho finlandês puro. Mas mais tarde apercebi-me que, de facto, têm um sistema de trabalho muito diferente do nosso em Portugal: são pessoas que respeitam muito mais o horário de trabalho e valorizam muito o equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho. Nomeadamente, saem às 16:00h (que é o normal para eles), mas que para nós, enquanto sociedade do oeste da Europa, é considerado “muito cedo”. Fazem por estarem envolvidos em muitas atividades de lazer e dedicar muito tempo à família, o que, a meu ver, só é possível, com horários e prioridades bem estabelecidos.
[Entrevistadora] – Quais é que considera terem sido os melhores valores retirados desta experiência?
[Entrevistado] – Um dos maiores valores que senti foi mesmo o reconhecimento profissional, porque sinto que aqui na Finlândia há um respeito muito maior pelos trabalhadores, mesmo sendo alunos de doutoramento. Na realidade onde me insiro, as pessoas não podem estar a trabalhar sem serem remuneradas. Infelizmente, tive muitos colegas de trabalho em Portugal que trabalhavam meses a fio sem financiamento para poderem terminar os seus doutoramentos. Na Finlândia somos reconhecidos pela nossa entrega e pela forma como trabalhamos, o que se traduz numa maior estabilidade laboral.
[Entrevistadora] – E arrepende-se de algo?
[Entrevistado] – Não me arrependo! Eu sinceramente não me imaginava a emigrar: estava envolvido em muitas atividades na cidade onde cresci (em Fafe), era muito feliz no local onde trabalhava, tinha família e amigos dos quais não me a imaginava a viver com tamanha distância física. Como a bolsa inicial era apenas de 6 meses, sinto que o primeiro impacto foi atenuado pela sensação de que ao fim desse tempo voltaria, e continuaria o doutoramento em Portugal. Quando realmente surgiram oportunidades para continuar cá, então aí assumi a emigração como o meu futuro e disso não me arrependo. Acho que é difícil imaginar como seria se tivesse continuado em Portugal e até poderia ter sido muito feliz também, mas assumi a decisão. Sinto-me realizado cá na Finlândia, e grato por tantas e tantas oportunidades que me foram dadas.
[Entrevistadora] – Se tivesse de dar um conselho a alguém que esteja a considerar ingressar num programa doutoral e, especificamente, internacional, o que diria?
[Entrevistado] – Eu acho que o primeiro passo é assumir a decisão e não olhar para trás, nem ficar preso a especulações sobre o que teria acontecido se a escolha fosse permanecer em Portugal. Vão haver momentos melhores e outros mais difíceis, mas acho que o “truque” é seguir em frente e lutar por aquilo que queremos. Acho que há imensas oportunidades no estrangeiro e isso aumenta a possibilidade e a facilidade de se conseguir algo fora do nosso país. E há locais onde as pessoas são extremamente valorizadas, como a Finlândia, e onde nos são dadas imensas oportunidades. Vai, naturalmente, depender sempre da atitude da pessoa agarrá-las ou não. Não devemos, contudo, esquecer nunca as nossas raízes, nem o calor do nosso país e das nossas gentes.
[Entrevistadora] – Obrigada João por te mostrares disponível e desejo-te, em nome da ANEEB, muito sucesso em todos os projetos que te envolvas! Até uma próxima!