Entrevista a Joana Capacete
Joana Capacete
Mestre em Engenharia Biomédica com especialização em Biomecânica e Dispositivos Biomédicos
A ANEEB teve o prazer de entrevistar Joana Capacete, Mestre em Engenharia Biomédica com especialização em Biomecânica e Dispositivos Biomédicos, tendo o seu percurso passado pela Universidade de Lisboa e pelo Instituto Superior Técnico (IST). Atualmente é Research Associate na University of California, Los Angeles. A Joana falou-nos acerca da sua experiência internacional desde o estágio que realizou nos Estados Unidos a estar atualmente a viver e a trabalhar neste país.
[Entrevistadora] – Rita Matos (ANEEB)
[Entrevistada] – Joana Capacete
[Entrevistadora] – Boa tarde, antes de mais gostaria de agradecer mais uma vez por teres aceite o nosso convite! Para te ficarmos a conhecer um bocadinho melhor pedia para que te apresentasses e falasses um pouco do teu percurso académico e o que te levou a escolher a Engenharia Biomédica.
[Entrevistada] – Olá sou a Joana, comecei o meu percurso académico na FCUL em Engenharia Biomédica. Na altura decidi envergar por esta área para seguir uma vertente virada para as neurociências, entretanto durante o curso os meus interesses foram mudando e acabei por seguir uma área diferente, mas no fundo eu escolhi esta área porque acho interessante a ligação que a Engenharia e a Medicina apresentam.
Fiz os primeiros três anos na FCUL e depois comecei a ganhar mais interesse pela área da biomecânica, decidindo frequentar Mestrado no IST, uma vez que tinham uma componente mestrado muito mais focada em biomecânica. Quando concluí a dissertação de Mestrado, recebi uma bolsa de estudo para continuar a trabalhar no meu tema por mais um ano, dando-me a oportunidade de ir passar uns tempos a Nova Iorque na Columbia University, experiência que adorei e que me ajudou a decidir vir para os Estados Unidos. A partir daí, comecei a procurar mais oportunidades aqui até que acabei por me estabelecer e começar a trabalhar.
[Entrevistadora] – Muito Obrigada! Vi no LinkedIn que para além do emprego atual tiveste mais experiências nos Estados Unidos nomeadamente o Summer Internship no MIT e como referiste Research Scholar na Columbia University, podias falar-nos um pouco sobre elas?
[Entrevistada] – O estágio no MIT foi uma experiência muito boa, acho que uma das maiores vantagens da FCUL é ter essa componente do estágio, mais do que as competências técnicas dá-te muitas competências de soft skills. No fundo é o teu primeiro contacto com o mundo de trabalho e ver o que é que vais fazer depois na prática com os conteúdos que aprendemos na faculdade.
A experiência na Columbia University também foi muito fixe. Foi uma experiência muito diferente porque ir para o estágio foi uma experiência muito estilo faculdade, no MIT tinham quase todos a minha idade então era um grupo mais familiar, divertimo-nos todos enquanto que em Columbia já foi uma experiência mais de trabalho e os laboratórios eram muito diferentes. Em Nova Iorque já eram todos muito um bocado mais velhos que eu, tinham todos outra vida então já foi uma experiência diferente, mas foi também muito boa. Tinham cultura e formas de trabalhar diferentes, por isso foi muito interessante.
[Entrevistadora] – O estágio no MIT foi em parceria com a FCUL?
[Entrevistada] – Mais ou menos, foi no âmbito de estágio da FCUL, mas o que aconteceu foi que eu estava a ter a cadeira de estágio e andava à procura de estágios e eu tinha pensado desde o início que gostava de ir para o MIT porque gostava de ver como é que eles trabalham e como é que eles funcionam e então comecei a mandar emails mas obviamente ninguém me respondeu. Então como ninguém me respondia comecei eu a procurar professores em Portugal que tivessem projetos em comum com o MIT e encontrei um professor no IST. Comecei a fazer uns trabalhos part-time com ele depois das aulas, até que me convidou para uma conferência que ia haver com alguns professores do MIT e conheci aí a professora com quem trabalhei pessoalmente e tive a oportunidade de contactá-la.
[Entrevistadora] – Muito obrigada. Podias falar-nos um pouco do trabalho que estás a desenvolver atualmente como Research Associate na University of California?
[Entrevistada] – Nós aqui temos muitos projetos, é algo que gosto muito na cultura de trabalho dos Estados Unidos, não te focas em apenas uma coisa tens sempre vários projetos, então eu tenho trabalhos desde Gait assessment em hospitais por exemplo para melhorar os métodos de diagnóstico de pessoas com osteoartrite. Trabalho também com células num projeto para ajudar a desenvolver métodos de cura para as infeções (biofilme) em que desenvolvemos também métodos de tratamento em que estamos a usar Eletromagnetic Stimulation para curar o biofilme. Ou seja, estão todos um pouco interligados, mas com componentes completamente diferentes. Tenho também um projeto a desenvolver uma app para os coletes para a escoliose para monitorar as horas de uso de forma a que o médico tenha acesso aos dados reais visto que as pessoas costumam mentir muito nas horas de uso porque o colete é um pouco desconfortável. Existe também outro projeto ligado a bioprinting para imprimir cartilagem, e ainda há mais projetos.
[Entrevistadora] – Realmente são mesmo muitos projetos, não fazia ideia que era possível trabalhar em tanta coisa ao mesmo tempo, é mesmo muito interessante!
[Entrevistada] – É uma das vantagens e uma das coisas que gostei aqui, apesar de te especializares numa área durante o teu percurso académico, eles aqui trabalham em tudo e estão sempre a aprender, por exemplo não sabia como fazer uma app e há sempre cursos e formas de aprender, eles têm muito essa mentalidade.
[Entrevistadora] – Falaste um pouco na diferença de mentalidade, o que é que sentes que é mais valorizado num profissional no mercado de trabalho dos Estados Unidos?
[Entrevistada] – Eu acho que é um bocado essa dinâmica, estares aberta a aprender e trabalhar em coisas mesmo que não seja da tua área e a tua especialidade, eles valorizam muito isso, não estás à vontade com algo mas tens a capacidade de procurar e aprender.
[Entrevistadora] – A nível burocrático para a entrada nos Estados Unidos sentiste muitas dificuldades?
[Entrevistada] – Algumas, a parte do visto não é fácil. Quando fui para o MIT não houve problema porque se não te pagarem não precisas de visto, podes ir com o ESTA que é obrigatório a todos os turistas. Alguns estágios obrigam a ter visto por questões de seguro, mas é um visto J1 que é um visto de researcher que não é muito difícil de obter e é o que usei no começo. A forma mais fácil é mesmo o visto de researcher porque o visto de trabalho é mesmo muito difícil de obter, diria que é quase impossível porque o governo só dá um certo número de vistos por ano através de uma lotaria aleatória anual. Quando já estás cá com o J1 é mais fácil obter o de trabalho porque é apenas necessária uma transição de visto.
[Entrevistadora] – Não fazia ideia, foi mesmo muito esclarecedor! Já moraste em muitas áreas diferentes nos Estados Unidos, sentiste muita dificuldade a arranjar alojamento?
[Entrevistada] – Não senti muita dificuldade a arranjar alojamento diria que a dificuldade está no preço. Quando fui para Boston o estágio era não remunerado então precisei da ajuda financeira dos meus pais. Em Nova Iorque foi mais difícil porque estava com o salário de Portugal e a vida em Nova Iorque é muito cara então acabei por precisar também da ajuda dos meus pais porque por um estúdio estava a pagar quase 3000 dólares por mês. Em Los Angeles a vida também é cara, mas os salários são à medida então não senti tanta dificuldade.
[Entrevistadora] – E sentiste que foste bem recebida e que tinhas apoio?
[Entrevistada] – Depende muito das cidades, em Boston senti-me muito bem recebida porque eram quase todos estudantes da minha idade então foi giro. Por outro lado, senti que Nova Iorque é uma cidade mais fria, eles têm uma cultura de trabalho diferente são muito obcecados pelo trabalho tanto que até nos feriados vão trabalhar, então apesar de também ter pessoas fixes não senti que fosse tão acolhedor e amigável como Boston. Aqui em Los Angeles as pessoas são muito mais relaxadas e descontraídas, tendo mais flexibilidade de horários, por exemplo por vezes quando temos feriados na quinta ninguém vai trabalhar na sexta o que é o oposto de Nova Iorque.
[Entrevistadora] – Realmente são muito diferentes! E sentiste outro choque cultural em que houve mais dificuldade em adaptar ou foi apenas na cultura de trabalho?
[Entrevistada] – Alguns, quando vens para o estrangeiro ficas numa situação estranha em que não pertences aqui, mas ao mesmo tempo já não pertences a Portugal, quando voltas já está tudo diferente é uma espécie de limbo. Um dos choques culturais foi a comida, mas diria que o maior foi a quantidade de sem abrigos e a quantidade de policiais que são destacados para coisas simples como roubar salsichas. Mas acho que não foi uma diferença muito grande porque há muito contacto com a cultura de cá em filmes e séries, por isso há outros países em que se deve sentir uma diferença cultural muito maior.
[Entrevistadora] – A tua ideia/ expectativa do que viver nos Estados Unidos iria ser, foi o que encontraste na realidade?
[Entrevistada] – Quando fui para Boston não porque toda a gente me dizia que no MIT eles são muito rigorosos que só vivem para o trabalho e foi muito diferente porque o que aconteceu foi o contrário, eles eram super relaxados e se não sabias fazer algo não havia problema eles ensinavam, havia também muito convívio. Por outro lado, em Nova Iorque ia com a expectativa de Boston e foi o contrário eram muito mais rigorosos e workaholic. Em Los Angeles bateu com o que estava à espera, sabia que era um ambiente mais relaxado.
[Entrevistadora] – Olhando agora para todo o teu percurso arrependes-te de algo/ terias feito algo diferente?
[Entrevistada] – Acho que não porque apesar dos momentos maus e difíceis que vêm faz tudo parte da aprendizagem. No início eu tinha escolhido ir para o IST em vez da FCUL, mas sinto que acabou por ser muito melhor para mim porque a componente do estágio é realmente uma enorme vantagem e que me abriu muitas portas e se calhar se não tivesse sido isso nunca tinha vindo para os Estados Unidos.
[Entrevistadora] – Já falaste um bocadinho deste tópico ao longo da entrevista, o que é que esta mudança te ensinou?
[Entrevistada] – Ensinou-me muita coisa desde dar mais valor às coisas principalmente em relação à família e considero que a relação até melhora. Ensina-te a ver as coisas de forma diferente, a relatividade, coisas que aconteciam em Portugal e achava que era o fim do mundo aqui é muito mais relativo. Em Portugal tu tens a tua vida muito mais segura, estás na tua zona de conforto então qualquer problema que tens no trabalho acabas por dramatizar mais enquanto que aqui é tudo muito mais instável e já tiveste que sair tantas vezes da tua zona de conforto que tudo o resto é mais relativo, aprende-se a lidar com os problemas de forma diferente.
[Entrevistadora] – O que é que aconselharia a alguém que gostasse de ir para os Estados Unidos tanto num internship como numa fase posterior para o mercado de trabalho?
[Entrevistada] – Para um internship eu aconselho muita a experimentar, é sempre bom se tiveres companhia, mas se não tiveres como foi o meu caso não deixes de ir e se não te responderem como não responderam a mim não fiques desmotivada, há outras maneiras de conseguir, como encontrar pessoas que trabalham no sítio em que pretendes estagiar.
No mercado de trabalho já é um pouco mais difícil, acho que é bom ter a experiência do estágio primeiro para ter a certeza se é mesmo aquilo que queres, porque desde os vistos até ao nível financeiro é difícil conseguires-te estabelecer. Aconselho também a falar com pessoas que já tenham vindo, saber as perspetivas e opiniões delas e como correram as experiências que tiveram. É uma decisão que tem de ser muito bem pensada porque é uma luta constante com o visto e de um momento para o outro podem dizer que não te querem mais e perderes o visto, por isso há essa instabilidade. Mas acima de tudo, aconselho a arriscar, se não correr como estavas à espera não é o fim do mundo, podes sempre ir embora, tens sempre Portugal como local seguro e ganhas sempre um ótimo currículo que te pode abrir muitas portas.
[Entrevistadora] – Foram ótimos conselhos! Agradeço mais uma vez por teres aceite o nosso convite e teres partilhado connosco um pouco da tua história!
A ANEEB agradece por teres aceite esta entrevista e pela partilha da tua experiência fora de Portugal, esperando com isto ajudar outros estudantes que estejam prestes a tomar esta decisão. Votos de sucesso