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Entrevista a Leonor Rebolo

Leonor Rebolo

Eng. Biomédica pela Universidade de Aveiro que é atualmente Staff Research Associate na Universidade da Califórnia em Davis.

A ANEEB teve o prazer de entrevistar Leonor Rebolo! A Leonor falou-nos sobre o seu percurso académico, em particular da sua experiência de Erasmus na Bélgica, e da sua atual experiência profissional na Califórnia.

[Entrevistadora] – Andreia Martins (ANEEB)
[Entrevistadora] –  Inês Brites (ANEEB)
Vê aqui a Entrevista completa!

[Entrevistadora]: Olá a todos, sejam bem vindos a mais uma entrevista de Biomédicos pelo mundo! O meu nome é Andreia Martins, sou colaboradora do Departamento de Ensino e Ação Social e estou aqui acompanhada com a Inês Brites que pertence ao Departamento de Formação e Saídas Profissionais. Hoje, iremos estar à conversa com Leonor Rebolo. A nossa convidada é mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade de Aveiro, tendo tido já a oportunidade de embarcar em dois projetos distintos, um deles na Bélgica, integrado no Projeto Erasmus, e outro mais recente na Califórnia. Atualmente é investigadora na Universidade da Califórnia. Ao longo deste episódio iremos, assim, explorar o percurso desta Engenheira Biomédica.

 

[Entrevistadora]: Leonor, desde já, muito obrigada por ter aceite o convite e começaria por lhe perguntar o que a levou a escolher Engenharia Biomédica? Foi algo que sempre ambicionou durante o secundário ou foi algo mais à última da hora?

 

[Entrevistada]: Antes de mais, muito obrigada pelo convite! Relativamente à pergunta, muito sinceramente e muitas vezes digo isto em tom de brincadeira, Engenharia Biomédica foi algo que eu escolhi mesmo na hora. Na hora em que eu tinha de fazer a decisão foi algo que eu escolhi, porque é sempre uma decisão muito complicada ter de escolher o que é que vamos fazer para os próximos anos após terminar o secundário, mas era a decisão indicada, porque desde sempre tive muito interesse pela área de informática, sempre gostei muito de programar. Nos meus últimos anos, no meu 8º e 9º ano comecei a ter mais interesse pela parte da saúde, também sempre porque fiz desporto e, então, a parte do bem-estar sempre teve muito presente na minha vida e daí ingressei no curso de Ciências e Tecnologias no secundário. Depois durante esses três anos fui só ganhando mais motivação nestas duas áreas e obviamente no final era o curso que fazia mais sentido, porque conjuga exatamente a parte da tecnologia e a parte da saúde.

 

[Entrevistadora]: Ainda relativamente ao curso, sente que o mesmo a muniu de ferramentas importantes e que a preparam bem para o mundo do trabalho?

 

[Entrevistada]: Sim! Engenharia Biomédica eu acho que é um curso que é muito abrangente. Claro que depende de universidade para universidade, mas no geral é assim. Nós temos acesso a diversas áreas, temos acesso a muitas áreas ligadas a biologia, mas também temos a parte de eletrónica, física, mecânica, programação e, por isso, acho que o facto de ganharmos conhecimento nestas diversas áreas, estamos preparados para qualquer desafio. Eu acho que o que a universidade nos faz realmente é desenvolver o nosso raciocínio, os 3 ou 5 anos que estamos lá são uma preparação para estarmos mais aptos a enfrentar qualquer desafio e arranjar uma solução para tal. Por isso, diria que sim.

 

[Entrevistadora]: Sem dúvida! Sente que a experiência de Erasmus serviu de alguma forma para agudizar aquele bichinho por uma carreira internacional ou foi algo que veio mais à frente?

 

[Entrevistada]: Sim, mas também acho que desde sempre tive muito o sentimento de querer ter alguma experiência internacional. Eu sou da Madeira, portanto acho que desde pequena já cresci com isto de ir para fora, sempre quis muito ter uma experiência fora de Portugal e se não ocorresse durante o meu percurso de estudos obviamente que era algo que eu estaria a tentar logo a seguir a acabar o meu curso e obviamente que Erasmus sempre foi um ponto que eu queria dar check na minha lista e felizmente consegui fazer.

 

[Entrevistadora]: Na reta final do seu percurso acabou por desenvolver a tese fora. Como é que surgiu esta oportunidade e como é que teve conhecimento?

 

[Entrevistada]: É engraçado como as coisas que nos vão acontecendo ao longo do nosso percurso acabam por nos moldar e também moldar um bocadinho as nossas decisões. Eu até fazer Erasmus não estava nada inclinada para a parte de Imagem Médica, estava mais inclinada para Biomecânica. Mas depois em Erasmus eu tive uma cadeira que decidi mudar, mudei para uma cadeira de Imagem Médica e foi por causa dessa cadeira que mudei a minha cabeça. Eu fiz Erasmus no 2º semestre do 1º ano e quando acabei tinha de escolher a minha tese de mestrado e pensei que já tinha decidido qual era a área, Imagem Médica, e por causa da experiência de Erasmus eu sabia que não queria ficar outra vez em Portugal e queria tentar ir para fora. Portanto, quando estava à procura dos professores que tinham temas relacionados na área de Imagem Médica o meu email era a perguntar quais eram os temas existentes e se havia alguma oportunidade para ir ou para fora ou fazer a parte prática numa empresa. Eu só não queria ter outra vez uma experiência em Portugal, queria algo que me desafiasse e foi através desses emails que me surgiu um professor que me disse que tinha um contacto na Universidade da Califórnia e que estava a trabalhar numa área particular dentro de Imagem Médica, que poderíamos tentar entrar em contacto com ele para conseguir uma colaboração e deu tudo certo. Eu também tive bastante sorte porque na mesma altura estavam abertas umas bolsas da FLAD que eram especificamente para estudantes desenvolverem quer a tese de mestrado quer a de doutoramento nos Estados Unidos. Os timings bateram certo e aconteceu!

 

[Entrevistadora]: Aquele bichinho pela carreira internacional sempre esteve muito presente de alguma forma! E relativamente ao processo foi algo fácil ou gerou ainda alguns problemas pelo caminho?

 

[Entrevistada]: Não, nada fácil! Eu acho que se o destino tivesse sido algum país na Europa teria sido bastante mais tranquilo mas a nível burocrático para entrar nos Estados Unidos é bastante complicado, há bastante documentação e como eu não tinha nenhum contacto próximo que tivesse tido a mesma experiência não tinha muito a quem perguntar como é que se faziam certas coisas e depois é um processo muito demorado. Cada documento que é preciso é preciso chegar a uma certa pessoa e depois para outra pessoa e para a instituição, tudo isto levou muito tempo e é bastante frustrante.

 

[Entrevistadora]: Só para ter uma ideia, quanto tempo é que demorou todo o processo?

 

[Entrevistada]: Portanto, eu soube que tinha a bolsa no início de Dezembro, ou seja, a partir daí comecei a tratar de todos os formulários que são precisos para fazer a aplicação para o visto e a ideia era chegar no início de fevereiro e só acabei por ir a meio de abril, uns meses mais tarde. Portanto, sim, cerca de três meses que demorou todo o processo.

 

[Entrevistadora]: Tem algum conselho ou alguma dica que daria a quem está neste momento a passar pelo mesmo processo?

 

[Entrevistada]: Não desistam, porque é bastante frustrante e às vezes apetece simplesmente desistir. Eu acho que o melhor conselho que podia dar é que se realmente quiserem muito tentem arranjar alguém que tenha uma experiência semelhante e que vos possa dar alguns conselhos. Aproveito também esta oportunidade se alguém me quiser contactar e estiver a passar pelo mesmo tipo de experiência a tentar vir para os Estados Unidos, porque são bastantes documentos que nunca vimos na vida que temos de preencher e não sabemos o que fazer. Portanto, podem contactar-me e sim diria que o melhor é conseguir arranjar algum contacto com algum conhecimento de como estas coisas funcionam neste meio.

 

[Entrevistadora]: Leonor, relativamente agora já mais focado no seu trabalho, gostaria de nos explicar um bocadinho melhor qual é o principal tópico e tema do trabalho que está a desenvolver na Califórnia?

 

[Entrevistada]: Sim! Portanto, a aplicação clínica daquilo que eu estou a  fazer é a radioterapia com um feixe de protões que, em comparação, com a radioterapia convencional que é feita com fotões mostra vantagens. No entanto, também tem a parte das desvantagens que se deve ao facto de ser preciso para este tipo de terapia conseguir localizar muito eficientemente onde é que estamos a incidir o feixe de protões dentro do corpo humano. Portanto, o meu foco é basicamente tentar desenvolver um sistema que consiga fazer este monitoramento em tempo real de onde é que o feixe de protões está a incidir dentro do corpo humano. Para isto, estou a estudar diferentes tipos de sensores constituídos por diferentes tipos de materiais para conseguir perceber o alcance do feixe de protões com uma precisão de 1-2mm dentro do corpo humano num espaço de segundos.

 

[Entrevistadora]: E nesse contexto e mais na prática como é passado o seu dia enquanto investigadora? O seu trabalho é flexível, autónomo? Como é que funciona na realidade?

 

[Entrevistada]: Até agora tenho lidado mais com simulações, análise dados, programação portanto é bastante flexível no sentido em que não preciso de estar constantemente no laboratório porque não estou a fazer testes práticos… mas basicamente a nível de organização todas as semanas tenho uma reunião individual com o meu orientador digamos assim para determinarmos o que é que foi feito até agora e o que é que vai ser feito  na próxima semana para sabermos qual é o próximo passo… mas também todas as semanas tenho outras reuniões semanais. Uma delas é um grupo mais pequeno que é só a parte de instrumentação em que nós vamos rodando entre nós e vamos apresentando semana a semana os nossos últimos resultados o que é bastante bom porque a ideia deste tipo de reunião é para despertarmos discussão e termos outras ideias e às vezes encontrarmos soluções para os nossos problemas dos nossos próprios projeto. Também tenho outra reunião semanal que também é já com um grupo maior que inclui não só a parte de instrumentação, mas também a parte dos estudantes ou dos pós-docs que estão a trabalhar na parte de reconstrução de imagem já é mais voltado para a ideia do seminário, ou seja é uma apresentação muito mais séria e também vai rodando pelas pessoas do grupo então basicamente é assim que funciona?

 

[Entrevistadora]: Leonor ainda dentro do contexto de trabalho eu iria perguntar-lhe qual foi a experiência mais gratificante que teve. Alguma conferência, alguma partilha, alguma troca de ideias…

 

[Entrevistada]: Eu acho que a mais gratificante até agora foi ter participado na minha primeira conferência, porque sinceramente deve-se ao meu trabalho desenvolvido cá no ano passado enquanto estava a desenvolver a minha tese. Obviamente que se não o tivesse feito acho que nunca teria ido a essa conferência que é a conferência mais importante na área que trabalho e portanto acho que sim, acho que essa foi a experiência mais gratificante até agora para além de todas as pessoas que eu tive oportunidade de conhecer ao vivo porque muitas delas eu conhecia por chamada de zoom ou por email e vê-las ao vivo é muito gratificante.

 

[Entrevistadora]: A nível de adaptação e choque cultural, como é que foi tudo? Quais é que foram as maiores barreiras que encontrou quando chegou à Califórnia?

 

[Entrevistada]: Eu acho que foi a cultura… a cultura americana é muito diferente da cultura europeia… eu continuo a sentir isso e de todas a experiências que eu já tive, estar aqui não diria que foi difícil mas foi a menos fácil por causa disso, por causa da adaptação demora um bocadinho mais tempo… e diria a cultura. Mesmo a nível de preços e tudo também é muito diferente. Principalmente para nós que somos de Portugal que é provavelmente um dos países mais baratos da Europa vir para países mais caros também é um choque bastante grande.

 

[Entrevistadora]: Tendo em conta então que a cultura é um bocadinho diferente a Leonor tenciona… se há algo impeditivo de a manter nos estados unidos… tenciona ficar por aí… voltar a Portugal será por exemplo uma hipótese?

 

[Entrevistada]: Eu diria que num futuro próximo gostaria de estar aqui pela oportunidade académica e profissional porque isso sem dúvida é uma grande oportunidade e qualquer pessoa que tenha oportunidade, sei que parece um bocadinho assustador porque fica do outro lado… não diria do outro lado do mundo, mas fica longe de casa… a nível de crescimento é muito muito bom. Há muito financiamento para os projetos na área da investigação então num futuro próximo porque ainda sou nova e ainda quero desenvolver mais nesses níveis profissionais e académicos diria que sim , quero ficar aqui, quero aproveitar este tempo e  se calhar num futuro um bocadinho mais  futuro gostava de ir para a Europa não propriamente para Portugal, mas para a Europa  e então num futuro bem mais futuro, aí  sim gostaria de terminar em Portugal porque é casa.

 

[Entrevistadora]: Sem dúvida, sem dúvida e já tem algum país em mente na Europa ou ainda é algo…

 

[Entrevistada]: Não, não completamente aberta. Não gosto de planear muito muito o futuro, gosto de ter algumas ideias, portanto não, não faço ideia do que poderia vir a seguir mas estou preparada para qualquer desafio.

 

[Entrevistadora]: Vendo assim tudo numa visão geral qual é que foi a experiência mais desafiante para si até ao momento?

 

[Entrevistada]: A experiência mais desafiante… se calhar a de escrever um artigo… a de escrever um artigo foi a mais desafiante porque eu foi basicamente condensar o trabalho que eu fiz num conjunto de páginas e tentar transmitir a ideia daquilo que eu estou a fazer e daquilo que eu quero atingir então diria que sim, que esta foi a mais desafiante até agora.

 

[Entrevistadora]: Leonor já agora que fatores acabam por distinguir a universidade da Califórnia de outras universidades que trabalham também na mesma área?

 

[Entrevistada]: Eu acho que o grupo onde eu estou inserida é muito muito bom na área em que estou a trabalhar e, por isso, acaba por distinguir a universidade. Além disso, é uma universidade com bastante bastante financiamento para projetos… existem muitos grupos, existe muito financiamento e, se não me engano, eu agora não consigo falar em números porque não sei  de cor mas é uma das universidade públicas com mais financiamento para investigação e com mais grants e acho que é uma das coisas que mais distingue a universidade de Davis.

 

[Entrevistadora]: As expectativas que tu tinhas da experiência foi aquilo que tu encontraste ou houve assim alguma coisa que acabou por te desiludir? Terias feito algo de diferente?

 

[Entrevistada]: Não teria feito nada diferente excepto as expectativas que superaram porque acho que  este tipo de experiências vai sempre depender do grupo em que nós acabamos por estar e das pessoas que nós encontramos deste lado e acho que tive bastante sorte porque o grupo é excelente, o meu orientador aqui também é excelente e tive muita sorte porque foi uma curva exponencial de crescimento e de desenvolvimento… mas tive colegas que  internacionais com experiências semelhantes e que se calhar não se adaptaram tão bem ao grupo ou não se sentiram tão ajudados ou um bocado perdidos com o que estavam a fazer aqui e isso não foi a minha situação. Pelo contrário senti-me bastante ajudada e bastante confortável em partilhar as minhas dúvidas e pronto e foi o que eu disse anteriormente o meu trabalho aqui levou-me a apresentar o meu primeiro poster numa conferência portanto só tive coisas boas a tirar daqui.

 

[Entrevistadora]: Leonor já em tom de conclusão, eu agradeço e agradecemos em nome da ANEEB em estar aqui hoje presente e pela amabilidade e disponibilidade em estar aqui hoje. Foi um prazer enorme ter ficado a par da sua experiência, mesmo a nível profissional foi muito gratificante para nós e espero que também tenha sido a quem nos está também a ver em casa e muito obrigada.

 

[Entrevistada]: Obrigada!

 

A ANEEB agradece por teres aceite esta entrevista e pela partilha da tua experiência fora de Portugal, esperando com isto ajudar outros estudantes que estejam prestes a tomar esta decisão. Votos de sucesso!