Entrevista a Ana Maria Sousa
Ana Maria Sousa
Mestre em Bioengenharia pela Universidade do Porto e atual investigadora na Holanda.
A ANEEB teve o prazer de entrevistar Ana Maria Sousa! A Ana Maria falou-nos sobre a sua experiência internacional na Holanda, nomeadamente do período de Erasmus que realizou na Universidade de Twente e da sua atual experiência profissional no mesmo país.
[Entrevistadora] – Adriana Vale (ANEEB)
[Entrevistadora] – Catarina Patrão (ANEEB)
[Entrevistadora]: Olá a todos, sejam bem vindos a mais uma entrevista de Biomédicos pelo Mundo! O meu nome é Adriana Vale, sou colaboradora do Departamento de Ensino e Ação Social da ANEEB e estou aqui acompanhada pela Catarina Patrão que pertence ao Departamento de Formação e Saídas Profissionais. Hoje iremos estar à conversa com Ana Maria Sousa. A nossa convidada iniciou os seus estudos no curso de Bioengenharia da Universidade do Porto e em 2022 tornou-se mestre em Engenharia Biomédica pela mesma universidade. Durante os 5 anos de estudo realizou um período de estágio na Universidade de Twente na Holanda, fazendo com que após o título decidi-se continuar o seu percurso como investigadora no mesmo local.
[Entrevistadora]: Seja bem-vinda Ana Maria, começo por agradecer teres aceite o nosso convite e pela disponibilidade por estares aqui.
[Entrevistadora]: Desde a altura do secundário existiu este interesse pela Engenharia Biomédica ou o mesmo só surgiu no decorrer do curso de Bioengenharia?
[Entrevistada]: O interesse pela engenharia biomédica surgiu mas durante o curso de bioengenharia. Eu era aquela pessoa que gostava de todas as áreas um pouco então fui explorando ao longo do curso e percebi que estava mais virada para área da programação e dispositivos médicos. Então interessei-me pela engenharia biomédica.
[Entrevistadora]: O que te levou a fazer ERASMUS durante o teu percurso académico?
[Entrevistada]: É um bocado curioso porque eu nunca fui aquela pessoa que queria fazer Erasmus, no entanto, um ponto positivo, no meu caso, porque eu tinha opção ou fazer Erasmus e ia para um país desafiar-me a mim própria ou ficar em Portugal. Então decidi aceitar o desafio e fui para a Holanda na segunda vaga de covid. Sem dúvida foi uma das melhores experiências melhores decisões que fiz ao longo do curso.
[Entrevistadora]: Foi difícil ir para o estrangeiro em altura de covid?
[Entrevistada]: Sim, foi bastante difícil porque havia muitas restrições no início. Não tive a possibilidade de visitar a família. Normalmente o pessoal que vai de Erasmus tem sempre uma viagem ao meio para visitar a família e nesse caso foi os 6 meses totalmente na Holanda sem essa possibilidade. Contudo, foi sem dúvida uma experiência positiva e não tão negativo quanto eu estava à espera.
[Entrevistadora]: Porque essa experiência de ERASMUS foi feita na Holanda? Foi um lugar que sempre admiraste?
[Entrevistada]: Eu sempre gostei de Holanda pela cultura e pela imagem que tinha do país. É um país muito livre! Gosto também da cultura que eles têm de andar de bicicleta para todo lado, a liberdade, e é realmente um fator que me faz estar na Holanda, tudo está à distância de 15 minutos de bicicleta. Outro fator é a própria cultura, são muito abertos a pessoas internacionais e novas culturas. Existe muitos internacionais a residir na Holanda, por isso, também existe a possibilidade de explorar diferentes culturas. Para além disso, são bastante desenvolvidos em termos de investigação na engenharia biomédica então é sempre um fator importante quando estás à procura de uma nova oportunidade de estágio.
[Entrevistadora]: Foi muito difícil a tua adaptação num país estrangeiro? Será que esta experiência, posteriormente, te ajudou a partir do momento que decidiste ir trabalhar para o mesmo país.
[Entrevistada]: Sim, sempre que fazes Erasmus num país e vais trabalhar para lá dá sempre para ter uma ideia com qual será o cenário que vais encontrar, no que diz respeito a pessoas e cultura. Mesmo em relação ao sistema burocrático começas a ter uma ideia de como é que funcionam. No entanto quando vais para lá trabalhar é um experiência completamente diferente, uma vez que, já não és estudante, não tens atividades estudantes como sair à noite, então tens de perceber como encontrar as pessoas da tua idade e com quem te identificas. Conhecer novas pessoas e como tratar de todas as burocracias é sempre um bocado mais complicado quando vais trabalhar mas sem dúvida que ajuda se fizer Erasmus.
[Entrevistadora]: A nível burocrático (seguro de saúde) e a nível de alojamento foi um processo de transição difícil?
[Entrevistada]: A Holanda por si só é um país que eu posso considerar que tem as democracias muito simplificadas. No entanto fazer Erasmus ajudou para perceber como é que tudo funcionava e ao mesmo tempo ajudou-me a encontrar pessoas ou amigos que me pudessem ajudar com a situação. Por sua vez, sem dúvida encontrar alojamento é muito complicado. É dos países que têm maior procura de emprego e densidade populacional em tão pouco espaço, então será sempre um desafio. Existem alguns sites que é possível arranjar alojamento só que é sempre necessário estar atento a novas oportunidades de alojamento. Por outro lado, em termos de burocracias é quase tudo digital e é tudo muito simples e poucos passos a seguir. Contudo, é sempre uma mudança, logo alguns contratempos iniciais aparecem, mas posso afirmar que comparando com Portugal é muito mais simples.
[Entrevistadora]: E em relação à língua, por vezes, o inglês é um entrave em alguns países da Europa, sentiste que na Holanda isso também acontece?
[Entrevistada]: Para ser sincera, quando vens para a Holanda não precisas de saber falar holandês e consegues ficar anos sem saber falar holandês, mesmo as questões burocráticas podem ser quase todas resolvidas em inglês, salvo raras excepções. Quer as pessoas do supermercado, quer as pessoas da câmara sabem falar inglês e podem esclarecer-te as dúvidas. No entanto, se consideras ficar na Holanda a viver ou a fazer um doutoramento, num período maior, aconselho a aprender, nem que seja apenas o início da língua. Principalmente por uma questão de integração, porque apesar de toda a gente falar inglês e conseguires fazer amigos em inglês, quando aprendes a língua deles consegues perceber melhor a sua cultura, consegues interagir melhor com eles, entender as piadas, tudo aquilo que os entusiasma e fazer parte dos grupos e conversas sem que eles se adaptem a ti.
[Entrevistadora]: Focando um pouco mais no teu trabalho, consegues-nos explicar o que consiste o teu e aquilo que fazes?
[Entrevistada]: O que estou a fazer agora não está muito relaccionado com aquilo que fiz na minha tese. Estou no mesmo grupo de investigação mas comecei um projeto novo. O que estou a fazer agora, de modo simplificado, é desenvolvimento de métodos não supervisionados, deeplearning, inteligência artificial, para detectar epilépsia com base EEG. Portanto, a partir de uma gravação do sinal do cérebro de meia hora, tentamos identificar numa pessoa em repouso sem quaisquer tipo de manifestações, que a mesma tem epilepsia. Isto é possível porque existem pequenas alterações que não se conseguem ver a olho nu ou não são fáceis de distinguir mas com inteligência artificial é possível identificar estes padrões. É nisso que estou a trabalhar, a experimentar diferentes técnicas. É um trabalho bastante gratificante porque consegues ver a aplicação no hospital, existe um hospital próximo com o qual colaboramos. É um ambiente bastante diversificado e dinâmico, temos um médico, pessoas mais técnicas como eu, conseguimos discutir tendo diferentes backgrounds e existe uma junção de áreas bastante benéfica.
[Entrevistadora]: Sentes que é vantajoso para quem quer trabalhar na tua área, trabalhar na Holanda?
[Entrevistada]: Na Holanda é sempre mais vantajoso do que em Portugal porque tens mais recursos, mais incentivos, se precisares de alguma coisa, de recursos para trabalho, consegues obtê-los facilmente. Por exemplo, na Holanda tenho um computador para mim, para trabalhar, e secalhar muitas vezes em portugal terias que partilhar GPU ou o computador e só isso já faz bastante diferença. Para além disso, na universidade existem mais colaborações, existe uma diversidade maior de pessoas do que existe em Portugal, pelo menos dos grupos onde fiz estágios não senti tanto apoio como na Holanda.
[Entrevistadora]: Normalmente criamos algumas expectativas quando vamos para um “mundo desconhecido”. Até agora esta experiência correspondeu às tuas expectativas? Mudarias alguma coisa?
[Entrevistada]: Eu diria que sou uma pessoa que não criei muitas expectativas porque inicialmente nunca tinha idealizado muito ir de ERASMUS, foi algo que surgiu, não idealizei como seria a experiência. No entanto, nesta segunda vez que vim para cá trabalhar já tinha uma expectativa maior porque já conhecia o país. Mas sem dúvida superou as expectativas, porque foi uma experiência diferente, o trabalho relativamente a vida de estudante. Apesar de ser bastante difícil no início encontrar pessoas, perceber como a sociacidade funciona para além da vida de estudante, é muito gratificante e consegues encontrar pessoas incríveis se fizeres por isso. Estou a gostar muito.
[Entrevistadora]: Ponderas regressar a Portugal?
[Entrevistada]: É um pouco complicado ter essa perspetiva porque depende das oportunidades que surjam. Eu não estou a fazer doutoramento, estou a fazer uma bolsa de investigação por isso não tenho esse período de 4 anos. Quando esta bolsa terminar tenho que ver que opções surgem mas gostava de ficar mais tempo. Existem aqui muitas empresas, uma diversidade de empresas muito maior que a de Portugal e uma inovação e investimento muito grande que não existem em Portugal. Se voltasse para Portugal talvez tivesse que mudar um pouco de área mas depende das oportunidades que vou ter.
[Entrevistadora]: Ponderas ainda fazer doutoramento ou já está esquecido?
[Entrevistada]: Pondero! Eu admiro muito as pessoas que depois do mestrado começam logo o doutoramento. Algumas pessoas precisam de um tempo para pensar nisso e esse é o meu caso, preciso de experimentar coisas diferentes, experimentar trabalhar numa empresa, para perceber que quero mesmo seguir o ramo de investigação. No fundo 4 anos são um comprimisso um pouco grande, especialmente se estiveres a trabalhar fora 4 anos ainda têm um peso maior. Se fores muito ligado à família, tem que ser uma decisão muito ponderada. No meu caso será muito ponderada mas ainda pondero fazer doutoramento no futuro.
[Entrevistadora]: E a nossa última pergunta é: Para todos os estudantes recém formados que nos estão a ouvir e que têm receio de enveredar por uma experiência fora de Portugal, quais são os teus principais conselhos?
[Entrevistada]: Para já eu aconselho terem essa experiência. Abre muitas possibilidades, abre a perspectiva das pessoas para novas realidades e experiências. Se têm receio, devem pesquisar sobre o país, sobre as instituições às quais se querem candidatar e falar com pessoas do curso ou pessoas que tenham ido para lá. Eles têm uma perspetiva mais pessoal mas também mais realista do que podem encontrar e podem ajudar-vos a tomar a decisão e a perceber que tudo é fazível e que nada é um bicho de 7 cabeças. Vai ser uma boa experiência, só têm que dar o primeiro passo!
[Entrevistadora]: Parece o conselho ideal para terminar! Obrigada pelo teu conselho e pelo teu tempo e disponibilidade! Desejamos-te a maior das sortes para o teu percurso, quer aí, quer em Portugal!
A ANEEB agradece por teres aceite esta entrevista e pela partilha da tua experiência fora de Portugal, esperando com isto ajudar outros estudantes que estejam prestes a tomar esta decisão. Votos de sucesso!