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Entrevista a Simão Santos

Simão Santos

Mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade do Minho e atual aluno de doutoramento, na área de Biossensores, na Bélgica.

A ANEEB teve o prazer de entrevistar Simão Santos! O Simão falou-nos da sua experiência de Erasmus e investigação na Noruega, da sua experiência profissional na PeekMed, em Portugal, e da sua experiência académica enquanto aluno de doutoramento na Bélgica.

[Entrevistadora] – Maria Beatriz Monteiro (ANEEB)
[Entrevistadora] – Disa Palma (ANEEB)
Vê aqui a Entrevista completa!

[Entrevistadora]: Olá a todos! O meu nome é Beatriz, sou colaboradora do Departamento de Formação e Saídas Profissionais da ANEEB e estou acompanhada pela Disa, que é colaboradora do Departamento de Ensino e Ação Social.

Hoje temos connosco o Engenheiro Simão Santos, que se tornou mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade do Minho em 2019, e que neste momento está a fazer o doutoramento.

 

[Entrevistadora]: Obrigada desde já por teres aceitado o nosso convite para esta entrevista.

Fazendo um pequeno contexto daquele que é o percurso do Simão: ele fez Erasmus na Noruega durante o mestrado e, após uma breve experiência de trabalho na PeekMed, está neste momento a fazer o doutoramento na Bélgica. Vamos explorar então um bocadinho este percurso, faço-te já a primeira pergunta: O que é que te levou a fazer Erasmus e foi Erasmus Estudo ou Erasmus estágio?

 

[Entrevistado]: Primeiro de tudo, olá a vocês e à ANEEB e obrigado pelo convite! Obrigada também por me chamarem Engenheiro Simão, acho que é a primeira vez que me chamam isso. Geralmente, na Universidade do Minho, faz-se Erasmus no 5º ano para fazer os projetos-tese fora. No meu caso fiz o mestrado em Biossensores e Eletrónica e, pronto, quando cheguei ao 4º ano comecei a pensar no que é que queria fazer no futuro: se queria ter experiências internacionais ou se seria melhor ficar na Universidade do Minho. Senti que me devia lançar, sair da minha zona de conforto, ir para fora, ter outras experiências, trabalhar noutros laboratórios… Falei com o professor responsável pelo Erasmus e nós tínhamos dois tipos: Erasmus de estudo e de Erasmus de trabalho (estágio profissional).

No meu caso, o professor falou-me de um em específico, na Noruega, que era extremamente relevante em termos de oportunidades do futuro. Fiquei interessado e fui pesquisar o projeto em questão, que abordava a biomarcação e detecção de biomarcadores de inflamação para a doença do COPD (doença pulmonar obstrutiva crónica). A área em que estive englobava os biossensores e biossensores microfluídicos, algo que já tinha interesse anteriormente e considero que a tese de mestrado serve para isso mesmo – aprofundar uma das áreas do nosso interesse.

 

[Entrevistadora]: Já referimos que, após esse percurso na Noruega, foste trabalhar uns meses para a PeakMed e posteriormente entraste no doutoramento.

 

[Entrevistado]: Exatamente, no entanto, antes de ir para a PeakMed, prolonguei a minha estadia na Noruega e, após o Erasmus, mantive-me lá como investigador durante seis meses. Esta posição estava ligada à anteriormente desempenhada por mim, continuou tudo semelhante, excepto a minha posição que se alterou ligeiramente por já ser engenheiro.

 

[Entrevistadora]: Após esse percurso tomaste a decisão de ingressar no doutoramento. Pergunto-te o porquê dessa decisão, ao invés de continuares no mercado de trabalho.

 

[Entrevistado]: Como estava a dizer anteriormente, depois terminei a minha posição de investigador, uma posição que gostei imenso por todos os desafios que trouxe. Todos os dias eram coisas novas e estávamos sempre a mudar o nosso rumo. De certo modo, somos um bocadinho chefes de nós próprios – somos nós que definimos o que queremos fazer e que definimos a nossa investigação, quase como investigadores independentes.

Quando terminei a experiência na Noruega, voltei para Portugal, e estive na PeakMed como software development. No entanto, sempre quis voltar aquele registo em que estive na Noruega, ser mais independente, ter novos desafios diariamente, ter diferentes situações onde tanto estava no laboratório como a escrever os papers, ou a ter reuniões com outras pessoas. Assim sendo, andava à procura de uma nova oportunidade, quer fosse como investigador ou como aluno de doutoramento. As oportunidades foram aparecendo e o doutoramento pareceu ser o sentido natural de alguém que goste da vida de investigação e de novos desafios.

 

[Entrevistadora]: Estiveste na Noruega e agora estás na Bélgica. Podes explicar o porquê da escolha destes países e destas universidades?

 

[Entrevistado]: Na Noruega, como expliquei, foi com a ajuda do meu professor. Nesse caso não dei muita relevância ao país, apesar da Noruega ser um país excelente. Liguei mais ao projeto e à universidade, a Universidade de Sørøst-Norge, a sul de Oslo. Tinha um departamento incrível, muito grande, na área da nanotecnologia, e em termos de funding e de oportunidade. Neste caso a minha escolha prendeu-se mais com isso e não tanto com o país em si.

No caso da Bélgica foi diferente, andava à procura de algo dentro da Europa. A Bélgica chamou-me à atenção por não ser um país muito normal para se ir fazer investigação. Quando vi este doutoramento decidi mandar o CV e fazer todos os processos. Via a Bélgica como um país interessante, do ponto de vista da sua localização dentro da Europa, e também a sua proximidade à UE. Nós vemos a Bélgica como a capital da União Europeia e é um país interessante nesse aspecto. É um país internacional com imensas oportunidades. Por outro lado, foi também a universidade. A KU Leuven é uma das melhores universidades em termos europeus e, mesmo a nível mundial, é das melhores universidades nos rankings, o que fez com que tivesse um interesse acrescido de vir para cá. É uma universidade enorme numa cidade que, só em estudantes, tem 60 mil, para além das pessoas do staff, investigadores, professores, etc., inclusive nas férias não há ninguém na cidade.

 

[Entrevistadora]: Falando agora do que antecede ainda para a Bélgica e para a Noruega. Como foi a tua preparação a nível burocrático?

 

[Entrevistado]: Foram duas experiências completamente diferentes. Para o Erasmus foi extremamente mais simples do ponto de vista em que o caminho estava definido, embora tivesse havido mais burocracia. É com os gabinetes de Erasmus que temos de fazer os agreements todos, os PLAs, os contactos com os professores, etc. Como era estudante, optei por ficar numa residência universitária, até porque a universidade é um bocadinho fora da cidade e pelos acessos seria mais fácil, além do preço dos apartamentos. Neste caso, vivia numa residência em que partilhava a cozinha com 15 pessoas, todas internacionais. Em geral, essa experiência correu muito bem.

Para a Bélgica já foi diferente. Vim como trabalhador – como costumo dizer: já ninguém quis saber se estava a fazer as coisas bem ou mal. Foi mais fácil no sentido burocrático, porque comprei os bilhetes, tentei arranjar casa, e vim. Não tive de me preocupar com contratos, só com o de trabalho. Sentes-te um bocado desamparado, mas não é por isso que tem de ser assustador. Antes de vir para cá tratei do apartamento e de assinar o contrato de trabalho. Uma vez cá, tive de me inscrever no município da cidade de Leuven para ter a residência temporária. No fim, tudo se faz! Em termos de seguro de saúde, na Noruega, está tudo incluído. O sistema social funciona muito bem e o facto de termos o Cartão Europeu de Saúde, não temos de fazer nada. Para a Bélgica, nos primeiros meses, chegou ter o Cartão Europeu de Saúde, mas após os primeiros três meses do visto de turismo, temos de fazer um seguro de saúde. Com o contrato de trabalho temos um seguro de saúde mínimo que cobre medicação, farmácia, médico, tanto para ti como para a tua família. No entanto, também é preciso um seguro de saúde complementar que cobre, por exemplo, os serviços de urgência. Posso dizer que por ano pago oitenta euros e dá-me para tudo. Inclusive, se fizermos algum desporto, o seguro cobre todas as despesas com a saúde. Por exemplo, no último ano comecei a ter uns problemas de costas que, como são considerados acidente de trabalho, as sessões de fisioterapia que me foram receitadas foram todas comparticipadas. Neste ponto de vista, é uma grande ajuda. Por outro lado, como aqui na Bélgica nos deslocamos muito frequentemente de bicicleta, é extremamente aconselhável termos esse seguro, sendo que é muito comum haver acidentes.

No fundo, estas experiências no estrangeiro são um pouco assustadoras. Há sempre o receio de sair da bolha de segurança que temos em Portugal, onde sabemos como tudo se processa, para ir para um mundo diferente em que algumas pessoas nem falam inglês. É comum ir a serviços sociais e, enquanto me atendem, estão a falar para o lado noutra língua, mas tudo faz parte destas experiências.

 

[Entrevistadora]: Depois desse processo burocrático estar terminado, como é que foi a tua adaptação tanto na Bélgica como na Noruega?

 

[Entrevistado]: Na Noruega, onde fui viver como estudante, houve uma excelente recepção para os alunos de Erasmus. Tínhamos um grupo de Erasmus e andávamos quase sempre todos juntos. Acho que foi a primeira vez em que tinha um grupo onde, além de mim, só havia mais um português e sentimo-nos muito bem recebidos.

Além do grupo de Erasmus, o meu conselho é virarem-se para os nativos, para não cometerem o erro de saírem da bolha em que estão em Portugal e passarem para uma segunda bolha em Erasmus. No meu caso, também tive a sorte de estar numa residência onde conheci outras pessoas de diferentes países, que acabaram por se tornar dos meus melhores amigos. Mesmo já tendo passado quase 5 anos, ainda estamos em contacto. Foi com esse grupo que formei na residência que comecei a aprender as minhas primeiras palavras em árabe e em norueguês.

Relativamente à língua, tanto na Noruega como na Bélgica, a maior parte das pessoas fala inglês. Excepto se forem, por exemplo, ao supermercado, onde contactam com pessoas cujo nível de educação não é tão alto.

A nível social, em comparação com a Noruega, a situação na Bélgica foi mais complicada. Eu vim para cá em fevereiro de 2021 e, pouco tempo depois, começou a pandemia. De fevereiro até agosto tive de ficar em casa, o que acabou por não me dar a oportunidade de estabelecer contactos sociais. Em 2022 comecei a ir mais ao laboratório e conhecer outras pessoas mas, comparativamente com a experiência de Erasmus na Noruega, foi completamente diferente. Na Bélgica, como trabalhador, não há um sistema criado para te receber, dependerá sempre da bondade das pessoas com que contactas no trabalho. No meu laboratório trabalham muitas pessoas internacionais, o que ajudou a colmatar a parte dos contactos sociais.

Em suma, sem dúvida que o onboarding de Erasmus foi muito mais fácil do que a experiência que estou a ter na Bélgica. No entanto, aqui tenho outras motivações, como estar a fazer doutoramento e já ser trabalhador.

Só uma nota final relativamente à parte da língua na Bélgica, esta está dividida em duas partes: a Flandres e a Valónia. Na Valónia, situada no sul, falam em francês e na Flandres, no norte, falam em holandês. Na Flandres existe a vantagem de toda a gente falar inglês, porém, na Valónia, apesar de eu saber falar francês, a língua torna-se uma barreira.

 

[Entrevistadora]: Focando-nos mais no teu doutoramento, consegues explicar resumidamente em que consiste o teu projeto?

 

[Entrevistado]: No doutoramento saí um pouco da área da biomédica para ir para a parte dos biossensores. Estou a desenvolver um biossensor para detetar o sexo de embriões de galinhas. Em Portugal não temos uma indústria muito desenvolvida neste ramo, mas no norte da Europa é onde se produz o maior número de carne e ovos de consumo. Uma vez que as galinhas macho não são utilizadas para a obtenção de carne nem de ovos, acabam por ser mortas logo após o seu nascimento. Acaba por se tornar um problema ético na medida em que não é dado qualquer uso ao ser vivo.

Recentemente fui ao Parlamento Europeu falar sobre este problema, uma vez que têm o objetivo de implementar uma nova lei para banir esta prática, lei esta que, de momento, só existe na Alemanha, Itália e França.

Resumidamente, eu trabalho no desenvolvimento de biossensores microfluídicos e tento integrar um método de deteção para posteriormente ser aplicado na indústria. O principal objetivo é de, no futuro, chegarmos a um produto que será lançado no mercado e irá colmatar este problema ético.

 

[Entrevistadora]: Para finalizar, tens algum conselho que gostarias de dar aos estudantes que nos ouvem?

 

[Entrevistado]: O meu conselho é irem, toda a gente vai ter uma experiência diferente. No fim, quer corra bem ou mal, é sempre uma vivência para mais tarde recordar, não tenham medo! Todos os países são seguros, inclusive eu ponderei ir para Israel. Embora muita gente não saiba, Israel é um dos países mais avançados cientificamente na área da bioengenharia. Por fim, o meu principal conselho é irem sem pensarem muito, lancem-se que as oportunidades virão para aqueles que se esforçam e arriscam.

 

[Entrevistadora]: Obrigada uma vez mais Simão, pela entrevista e pelo teu testemunho, acho que foi bastante útil para alargar um pouco os horizontes dos estudantes de Engenharia Biomédica. Boa sorte para o teu percurso profissional!

 

A ANEEB agradece por teres aceite esta entrevista e pela partilha da tua experiência fora de Portugal, esperando com isto ajudar outros estudantes que estejam prestes a tomar esta decisão. Votos de sucesso!